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A lição de Ciampi: Europa, reformas, sem populismo

Giampaolo Galli, que foi seu colaborador próximo no Banco da Itália, conta quem realmente era Carlo Azeglio Ciampi: sonhava com uma Europa diferente como trampolim para a modernização da Itália e sempre soube dar uma grande lição de temperamento e estilo

A lição de Ciampi: Europa, reformas, sem populismo

Muitas vezes há uma discussão sobre o que é o populismo e se esse termo é apropriado para descrever os novos movimentos muito ameaçadores que estão surgindo em muitos países ocidentais. O certo é que, pensando em um grande servidor do Estado como Carlo Azeglio Ciampi, é natural tomá-lo como exemplo de tudo o que é antitético ao populismo, em conteúdo e estilo. Tampouco poderia ser acusado de ser um "expoente do establishment", pois sonhava com uma Itália muito diferente daquela em que vivia. Ciampi foi acima de tudo um reformador. Mas as mudanças com que sonhou, e que em parte ajudou a concretizar, encontravam-se nos antípodas das mudanças que, confusamente, parecem desejar os movimentos que hoje chamamos de populistas.

Acima de tudo, acreditou fortemente na Europa e contribuiu activamente para a construção da União Económica e Monetária, na profunda convicção de que ela servia tanto para modernizar a Itália como para construir um futuro mais sólido de paz para os povos europeus. Para além dos limites objectivos da construção e das políticas europeias, de que Ciampi bem sabia, a Europa é hoje alvo de movimentos que reconhecem legitimidade apenas aos Estados-nação que herdámos do século XIX.

A realidade é que formas de nacionalismo, e em alguns casos de regionalismo, estão voltando com força, atiçando as chamas do medo, tendendo a atacar e denegrir todos aqueles que são diferentes - ou simplesmente outros - de nós. Diz-se que a Europa não tem legitimidade democrática, o que capta uma fatia da verdade, mas na realidade muitas vezes só se quer entender que só são legítimas as decisões tomadas por cada nação: é um retrocesso.

Em várias ocasiões, Ciampi também se viu tendo que enfrentar posições muito duras por parte do principal estado da Europa, a Alemanha. Em setembro de 1992, o Bundesbank parou de apoiar a taxa de câmbio da lira, o que nos forçou primeiro a um realinhamento substancial e depois, três dias depois, a sair do Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio. Para Ciampi esta foi uma derrota esmagadora, já que a estabilidade da taxa de câmbio dentro do SME era um dos pilares de sua política e de todos os governos que se sucederam à frente da Itália durante o longo período de sua gestão no Banco da Itália.

Entre os seus colaboradores, e eu entre eles, manifestaram-se sentimentos de forte hostilidade em relação às autoridades alemãs, sobretudo depois de uma declaração do governador do Bundesbank que deixou claro aos mercados que o destino da lira estava traçado: todos tínhamos um grande desejo de vingança. Não sei o que Ciampi pensou consigo mesmo, mas sei que com muita calma ele nos fez entender os motivos da Alemanha e a futilidade de ações um tanto hostis para com aquele país. Uma lição de temperamento e estilo.

O mesmo aconteceu no final de julho de 1993, quando surgiram tensões muito fortes entre governos europeus e não apenas entre bancos centrais em torno da questão do ataque especulativo ao franco francês. Ciampi era então Primeiro-Ministro, mas manteve contactos constantes com a delegação italiana em Bruxelas e acabou por nos dar a indicação de aceitar a solução de compromisso que foi meticulosamente encontrada, a do SME com bandas de flutuação não inferiores a 30 pontos. Igualmente tensas foram as condições em que, entre 96 e 98, negociou a entrada da Itália na moeda única desde o seu início.

A outra questão em que Ciampi gastou boa parte de suas energias, especialmente como Ministro da Fazenda na segunda metade da década de 90, é a da consolidação das finanças públicas: também nisso suas ideias e suas ações estão em antípodas do populismo. Os populistas reclamam ruidosamente da alta dívida pública e acusam, com alguma razão, as classes dominantes de terem deixado um fardo pesado para a juventude de hoje. Mas não só não propõem soluções, como rejeitam desdenhosamente os únicos remédios possíveis: superávits primários – ou seja, os deixados por Ciampi no final dos anos 90 – e reformas estruturais para a competitividade das empresas.

Ciampi, finalmente, estava nos antípodas do populismo também em grande estilo. Antes de falar, por exemplo, ele pensou: um hábito antigo que já não é muito popular. Em janeiro de 1993, convocou alguns de seus colaboradores para convidá-los a iniciar os estudos visando o relatório anual de maio. Ficamos um pouco surpresos, parecia cedo, mas começamos a trabalhar. Essas considerações finais nunca viram a luz, porque entretanto o Presidente da República tinha chamado Ciampi para formar o Governo após a queda de Amato. Aquele episódio nos convenceu de que também havia algo de bom na classe política dominante da época. Nem toda a Itália da época seria jogada fora.

Em cada uma dessas ocasiões, em cada uma dessas pequenas anedotas, O traço distintivo de Ciampi era saber sempre ver as razões dos outros, com humildade e sagacidade, traçando uma síntese pragmática e equilibrada: isso o ajudou a manter aquela credibilidade, sem a qual a Itália dificilmente teria conseguido fazer parte do grupo líder do Euro. A moeda única, talvez até mais do que a Europa, é objeto de hostilidade dos populistas de hoje. Existe uma certa teoria da "conspiração" segundo a qual a Alemanha nos obrigou a aderir ao Euro em nome de seus interesses nacionais. Os defensores dessas fantasias devem reler as coisas ditas e escritas por Carlo Azeglio Ciampi. Dentre as muitas bobagens que circulam na Itália esta é uma das mais imaginativas e distantes da realidade.

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