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Sapelli: o que a Argentina nos ensina, do crack de 10 anos atrás ao boom de hoje

Ontem, a presidente Cristina Kirchner foi operada de câncer de tireoide (a cirurgia foi bem-sucedida) - Com o professor Giulio Sapelli, o FIRSTonline quis refazer a história do extraordinário crescimento do país sul-americano desde a crise de 2001 até hoje - A lição mais importante a tirar da experiência argentina: "Não tema a inadimplência"

Sapelli: o que a Argentina nos ensina, do crack de 10 anos atrás ao boom de hoje

Do crack ao boom. Em dez anos – 20 de dezembro de 2011 foi o aniversário da inadimplência – o país latino-americano teve um grande crescimento. Hoje não é apenas a economia mais próspera do continente, mas também o país com a segunda maior taxa de crescimento do mundo, superado apenas pela China. O professor Giulio Sapelli, professor de História Econômica na Universidade Estadual de Milão e um grande especialista em Argentina e América do Sul, reconstruiu, junto com o FIRSTonline, a história desse boom e traçou possíveis cenários para a evolução do país nos próximos anos, sob a liderança de Cristina Kirchner. A presidente, eleita pela segunda vez em novembro passado, acaba de passar por uma cirurgia de tireóide (perfeitamente bem-sucedida) porque sofre de câncer, mas os médicos dizem que o câncer é limitado e "perfeitamente curável".

O país tem desempenhado um papel fundamental no crescimento do país aumento vertiginoso da demanda global por commodities que, combinado com um moeda fraca, permitiu que as exportações disparassem. Além disso o boom no vizinho Brasil e forte aumento dos gastos públicos eles apoiaram a economia da Argentina, que agora pode ser definida como um país avançado. De fato, em 2011 o crescimento do setor terciário foi mais decisivo do que do industrial, e isso, como observou Sapelli, "é um sinal do renascimento de uma Argentina que é um país avançado e que, não esqueçamos, , na década de 50 ele fazia pesquisas nucleares e havia iniciado um projeto para criar a bomba atômica”.

Ainda assim, segundo o professor, o espectro do fim desses bons resultados paira sobre a economia portenha. “O que mais me preocupa”, explica Sapelli, “é a forma como o governo tem realocado recursos no país. A redistribuição da riqueza não foi nada produtiva. Os setores da economia em que se registram as maiores taxas de crescimento são os que não recebem financiamento do Estado.” E nos últimos dados publicados pela Cepal, a comissão das Nações Unidas para a América Latina, fica claro que os setores automotivo, manufatureiro e agroalimentar – indústrias que não recebem repasses do governo – são os setores em que a produção mais aumentou. E são justamente as indústrias que Kirchner decidiu tributar para garantir a renda inchada da Casa Rosada. Mas, “esse bem-estar baseado na redistribuição fiscal tem efeitos negativos porque não produz crescimento”.

Se então somarmos os problemas relacionados com o cálculo doinflação – menos de 10% segundo o Instituto Nacional de Estatística mas mais de 20% segundo dados do Fundo Monetário e do Banco Mundial -, a desaceleração do crescimento brasileiro – que em 2011 aumentará 3 pontos percentuais a menos que no ano anterior – a desaceleração global afetando as exportações, não é tão absurdo temer pela sustentabilidade desse modelo que até agora trouxe crescimento, mas muito pouco desenvolvimento. “Certamente uma resposta não pode ser aquela que Kirchner parece preferir, ou seja, o protecionismo. Se a Argentina espera se defender com barreiras alfandegárias, é um país morto."

“Estamos em um momento de redefinição da balança comercial global que inevitavelmente afeta também a América Latina. Certamente a Europa terá que levar isso em consideração mais do que no passado”. Mas, segundo Sapelli, o Mercosul não será a verdadeira aliança do futuro. “O centro de gravidade da economia mundial está se deslocando para o Pacífico, então imagino mais facilmente uma divisão entre os países banhados pelo Atlântico e os que estão voltados para a Ásia.".

Desta experiência argentina há algumas reflexões interessantes também para a nossa Europa em crise. “O setor que mais cresce e de forma mais saudável é o das pequenas e médias empresas, mas que funciona desde que haja empresas de referência e um sistema a que se referir. Além dissoA Argentina nos ensina que não devemos ter tanto medo da inadimplência. Os Estados não são como as empresas: se inadimplentes, eles ainda têm a autoridade". E é graças à enorme, e talvez exagerada, confiança na autoridade pública que um povo de intelectuais e grande força de vontade conseguiu renascer desde baixo. Que a Europa também não precisa de seu líder peronista? "Absolutamente não, a vertigem política centralizada pode ter efeitos devastadores." Talvez então, para afastar definitivamente o medo da inadimplência, precisássemos de uma classe dominante na qual nos reconhecêssemos e na qual pudéssemos acreditar mais.

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