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Conto de Domingo: "Companheiro de Lanche" de Maria Rosaria Pugliese

Durante um dia feliz ao ar livre, num gramado muito verde que se desenrola "como um tapete até tocar o céu", uma alegre turma do ensino fundamental descobre a beleza do mundo fora da sala de aula onde o céu, as flores e o sol estão longe, apenas "pintado nas paredes". As crianças são o futuro e seus professores cuidam delas diligentemente. Mas nenhuma atenção é recebida por outra criança, uma muito mais do que as outras, que talvez, apesar do clima agradável, sinta frio porque está enrolada «em posição fetal, nua, [...] mão na boca»: já não respira com aquele «cordão umbilical ainda preso», mas continua a observar os seus companheiros a brincar e a lanchar.
Fortalecida por seu compromisso social e grande sensibilidade, Maria Rosaria Pugliese conta a não história de uma pequena pessoa que nunca será ninguém...

Conto de Domingo: "Companheiro de Lanche" de Maria Rosaria Pugliese

O gramado se desenrolou como um tapete até tocar o céu.

Os escolares chegaram ao parque em fila indiana: um após o outro como tantas formiguinhas coloridas e cada um manteve a mão direita no ombro do companheiro que os precedia. O expediente do apoio servia, segundo as professoras, para perceber imediatamente se algum dos pequenos se desviava pela rua. Havia cerca de trinta deles, e os professores apenas três. Uma vez uma viagem causou uma bola de neve, mas nada de grave aconteceu, apenas alguns arranhões, e no final todos se divertiram muito.

"Não pise nos canteiros de flores!" Com essa exortação, as linhas se dissolveram e a vida alegre começou: as crianças correram impacientes como pôneis para os quais a cerca se abre, e a batida leve acariciou o solo levemente úmido.

A professora Vinciguerra, jovem, baixinha, de cintura fina, tinha feições infantis emolduradas por cachos castanhos. Ela não era mais alta do que a mais magra da turma e, se tivesse se alinhado com a turma, ninguém teria notado que o intruso não tinha mais idade para frequentar a segunda série.

"Cuidado para não se machucar!" A professora Pizziballa, a quem alguns dos mais novos chamavam de "Mamma Pizza", aos cinquenta anos já havia educado várias gerações. Era uma criatura muito doce que nasceu com vocação para a docência e para a maternidade, papéis que nunca separou na vida: mate et magistrado, por isso gostava de definir-se enfaticamente comparando-se com a Igreja universal.

As duas boas mulheres trouxeram doces caseiros, torta de maçã, pão de ló. Hoje é um dia diferente, o recreio é no parque, as crianças vão lanchar ao ar livre, na relva, e não na sala de aula onde o céu, as flores, o sol estão pintados nas paredes. Hoje o mundo é real, o sol é quente e as mochilas trazem sanduíches e sucos de frutas.

Até a voz das professoras, modulada pelas árvores, soa flauta, não como na escola quando dizem: «Pinta esta pequena página»; ou: "Sente-se bem."

A retaguarda era formada pelo Maestro Quintavalle, professor de educação física cedido à escola primária. Maxilar largo e físico forte, de jeans azul, moletom, anoraque e botas de solado de borracha. Ele estava segurando um saco plástico transparente cheio de bolas e bolas.

No parque havia um riacho estreito com fundo pedregoso que terminava em uma piscina pouco maior que uma banheira.

As crianças mergulharam as mãos na água, alguém imprudentemente molhou seus sapatos também. O mestre decidiu que era possível atravessar sem perigo e mostrou como fazer: primeiro tinham que arregaçar as calças, depois caminhar a passos curtos, apoiando os pés nas pedras maiores.

Com um passo, chegou ao outro lado e estendeu os braços para dar as boas-vindas aos jovens pioneiros. Os professores atravessavam o riacho segurando os pequenos pela mão.

Agora as crianças tomaram posse do território, correm atrás umas das outras, chamam-se, jogam futebol, e Quintavalle dispara rasteiros surpreendentes para a baliza delimitada por dois plátanos frondosos, enquanto o frugoli que ninguém quer na equipa cercam os professores que inventam novos e antigos jogos para eles.

A poucos metros do parque, em um barranco cheio de lixo e coisas velhas, em terra de ninguém, um corpinho meio escondido pelas folhas. Enrolado em posição fetal, nu, cordão umbilical ainda preso, polegar da mão direita na boca.

Parece uma boneca recém-nascida da qual uma natureza covarde se livrou algumas horas atrás, jogando-o na vala entre o cesto de lixo.

Sou ninguém, é por isso que eles me jogaram fora.

Eu sou inútil, eu era irritante.

Talvez eu tenha feito algo errado, mas não me lembro o quê.

Claro que fui mau, mas quando?

Será por causa dos chutes que dei na barriga? O por que eu estava bocejando?

Sim, será pelo que me jogaram da ponte.

Quão ruim quando eu rolei nas pedras!

Eles poderiam ter me deixado em algum lugar em vez de me jogar no vazio.

Devo ter um ombro caído, porque não consigo me virar.

brrr! Que frio!

Estou morrendo de sede. Estou com fome. Com fome e sede. E eu estou congelando.

Nem uma gota d'água me deu.

Devo ter sido horrível, mas não pedi para nascer.

No meu nada não havia escolha nem vontade.

Sou ninguém.

Se eu fechar meus olhos, no entanto, dois braços macios mórbido eles me levantam, me embalam e não me sinto mais congelado.

E uma voz muito doce que me diz: “Me desculpe por ter te maltratado. Vamos começar de novo."

Sua raiva passou! Ele me perdoou! Ele me cobre de beijos, me aperta com força contra seu peito quente.

Reabro os olhos e... ainda sou um bebê morto na grama viva.

Quanto tempo?

Mas agora eu sei que eles virão me levar de volta.

Tenho que ficar calmo e tenso para esperar. Eles já estão me procurando.

Eu escuto vozes. Alguém corre…

Aquela bola... Se chegasse um pouco mais pertoo… com um esforço enorme conseguiria relançá-lo …

"É hora do lanche, vamos lá, crianças, façam uma pausa!"

"Chega de bola. Vamos sentar em círculo, vamos formar um círculo mágico."

Os professores têm que trabalhar muito: quando as crianças brincam, não pensam mais em nada, vivem em outra dimensão. Eles esquecem a comida, o jogo os satisfaz.

«Não jogue os papéis aqui e ali: nós recolhemos tudo em um saco» recomenda Maestro Quintavalle, «você sabe que a natureza deve ser respeitada. Devemos deixar o parque como o encontramos."

As crianças deixaram-se cair na grama espessa, alguém empilhou as folhas secas para formar uma espécie de assento e sentou-se como se fosse um trono.

O lanche embalado começou. Dedos rechonchudos tiraram das sacolas, apáticos, os pacotes preparados com carinho pelas mães: sanduíches fofinhos de presunto embrulhados em papel manteiga, torradas com manteiga seladas no pacote domo, salgadinhos de cereais, pacotes de biscoitos.

Os professores distribuem guardanapos e copos de papel, porque a sobremesa está chegando. O que seria de um piquenique sem sobremesa?

As crianças que desembrulham, mordiscam, trituram ou apenas trituram não perceberam que existe um novo companheiro de lanche.

Sou ninguém, abandonou o pesadelo, está sentado entre eles, as pernas cruzadas no estilo turco. Ele está comendo uma laranja. Ele está imensamente feliz, suas têmporas azuis palpitam, seu coração bate loucamente: neste novo mundo ele é igual a todos os outros seres que estão perto dele e que falam e riem. Um deles mostra a ele como beber da garrafa sem se molhar. Um pouco confuso, ele leva a garrafa térmica aos lábios e as gotas frescas matam sua sede.

uma garota comprida longo – crescida mais que as outras – anda com uma bandeja nas mãos. Ele está oferecendo o bolo e, com um sorriso, também lhe entrega uma fatia, que se sente saciada sem comê-la.

«Mamma Pizza, Mamma Pizza Eu sei fazer pizza um homenzinho de testa larga e grandes olhos escuros atormenta a professora.

«Diga-nos como fazer, para que da próxima vez todos possamos fazer pizzas», incentiva-o o professor.

A criança imita os gestos que viu a mãe fazer, amassar, achatar, temperar, assar, e enquanto todos batem palmas ele anuncia sério: «Quando eu crescer quero ser pizzaiolo».

"Vou fazer um fantasma para assustar minha irmã" é a declaração de intenções de um querubim de cabelos cacheados, olhos azuis como bolas de gude, que ao fazer o anúncio põe em seu rostinho uma careta horrenda.

"Eu sou o jogador de futebol, ou melhor, o goleiro, gosto de estar no gol!" adverte outro rosto sardento e mãos e joelhos com covinhas.

«Sim, mas terá que bloquear, não se afaste para deixar a bola passar... Hoje você coletou dois...», brinca Quintavalle.

"Eu sou o encanador como meu pai!"

"Vou preparar as facas!"

Sou ninguém ele é muito atencioso, não perde uma sílaba, não fala nada, mas decidiu: quer ser criança quando crescer!

"O ônibus está vindo. Temos que começar. Nas crianças, coletamos papéis, latas, migalhas. Colocamos tudo em envelopes. Não devemos deixar vestígios de nossa passagem.

O grupo – bochechas vermelhas, mochilas nos ombros e algum capricho inevitável – deixa o parque, e desta vez são os professores Vinciguerra e Pizziballa que fecham as fileiras do exército incansável.

Sou ninguém ele permaneceu no gramado, os olhos suplicantes, um sorriso de alegria nos lábios. Acene com sua mãozinha para cumprimentar seus colegas que estão indo embora. Gostaria de me juntar a eles, atender o chamado da vida, assim como o do cachorro London segue os lobos uivando e torna-se um lobo com eles…

A poucos metros do parque, em um barranco cheio de lixo e coisas velhas, em terra de ninguém, um corpinho meio escondido pelas folhas. Enrolado em posição fetal, nu, cordão umbilical ainda preso.

a autora

Maria Rosária Pugliese é licenciada em Economia e Comércio e trabalha para uma instituição de crédito há trinta anos. Ele sempre foi sensível às questões sociais. Entre seus escritos, a estreia pacientes perdidos (Robin Edizioni, 2010) e a contribuição para a antologia A garganta (Giulio Perrone Editore, 2008) e paraEnciclopédia de Escritores Inexistentes (I edição, Boopen Led, 2009; II edição, Homo Scrivens, 2012). Com goWare publicou a coleção de contos Carreira. Quatorze histórias ao longo do caminho.

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