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Marchionne e a autodefesa insustentável da esquerda política e sindical

Nem mesmo diante dos resultados alcançados em campo por Sergio Marchionne em matéria de emprego e defesa do emprego na Fiat e na FCA, a esquerda sindical e política, que se opunha duramente a ele, parece disposta a reconhecer de forma autocrítica seus erros enquanto a Confindustria finalmente fez o mea culpa

Marchionne e a autodefesa insustentável da esquerda política e sindical

Surpreso com o anúncio sensacional da doença grave (irreversível) que atingiu Sergio Marchionne e pelos efeitos que se seguiram na mídia e na opinião pública, a esquerda política e sindical calou-se por algumas horas - que foi duramente derrotada pelo dirigente ítalo-canadense - mas que nunca renunciou - nem mesmo diante de resultados que desmentiram suas previsões sombrias – para admitir que estava errado quando contestou o acordo de Pomigliano e outros semelhantes que se seguiram nas outras fábricas italianas.

Então, com medo, que eles fossem reconhecidos em artigo mortis a Marchionne aqueles méritos que lhe foram negados em 2010, quando todo o Circus Barnum da ''Italietta de aluguel e chantagem'' (como escreveu Marco Bentivogli) começou a se aliar a Maurizio Landini e Fiom, vários expoentes dessa área que decidiram entrar em campo em defesa do seu ''como nós éramos''. Por tudo nós retomamos Comentários de Guglielmo Epifani – ex-secretário da CGIL agora deputado de Liberi e Uguali (para quem?) – segundo o qual “Marchionne era um financista muito habilidoso, capaz de usar recursos financeiros, inclusive empréstimos, para salvar e relançar a empresa. Por outro lado, o resultado industrial é menos brilhante, onde todos os objetivos de produção e vendas não foram alcançados, e até por muito”. E depois de apontar as questões críticas para a Itália decorrentes da escolha da FCA pela internacionalização, Epifani fala sobre a abordagem que Marchionne deu às relações industriais. Na matéria, o ex-dirigente da CGIL não mede palavras e fala do assunto como o "mais polêmico". “Marchionne – escreve o ex-dirigente da CGIL – nos primeiros anos busca o acordo e o consenso dos trabalhadores e dos sindicatos”. Então, continua Epifani, as relações com a CGIL e a Fiom passam para o "confronto aberto", ou tornam-se "inexistentes". Enquanto, Epifani volta a sublinhar, “do outro lado do oceano, as relações com os trabalhadores e o sindicato continuam positivas e o fundo de pensões ajuda Marchionne numa operação financeira que reforça o controlo da Fiat sobre a Chrysler. A relação com o sindicato passa assim a ser função dos interesses da empresa e sobretudo dos acionistas”. Isso mesmo: ''confronto aberto'', ''relações inexistentes''. Vê-se que as organizações sindicais que assinaram esses acordos e claramente venceram os referendos não eram representativas na ausência do Fiom ''estampagem''.

Além disso, é inaceitável o julgamento que se faz do sindicato americano (o glorioso UAW), que nunca tentou escapar à necessária política de sacrifícios para salvar a Chrysler. Convém então recordar o que continha o acordo de Pomigliano (planta Giovambattista Vico), já que apenas 8 anos nos separam desses acontecimentos, mas que entretanto a Itália parece ter-se tornado outro país, com uma maioria e um governo que, se se vissem – numa espécie de retrocesso – para arbitrar a disputa de 2010 entre Marchionne e Landini, certamente ficariam do lado deste último.

Antes de passar ao mérito do acordo, é preciso enquadrá-lo nos desafios de política industrial que o grupo teve de enfrentar. Em causa estiveram não só os 700 milhões de euros relativos à transferência da produção do Panda da Polónia para Itália, mas também a alocação dos novos produtos num grupo que já opera à escala global. Esta virada pró-Itália só foi possível sob a condição de aumentar a produtividade do trabalho, a partir da planta napolitana, tanto por turnos, ritmos e rendimentos crescentes; e regular as suas faltas manifestamente anómalas por motivo de doença e as faltas ao trabalho.

A releitura de um ensaio de Franco Carinci publicado por ocasião do quadragésimo aniversário do Estatuto dos Trabalhadores nos ajuda nessa reconstrução. O cerne do acordo consistia em adequar o regime de produção da empresa às novo modelo de organização do trabalho: carga horária individual de 40 horas e processo produtivo contínuo durante 6 dias 24 horas semanais e distribuído em 18 turnos, com meia hora de almoço no final do turno (n. 1); horas extras a serem pagas a pedido da empresa aumentadas para 120 horas anuais (anteriormente 40) (n.2); reatribuição de funções para garantir uma correta relação entre diretos e indiretos (n. 3); mobilidade interna de área para área para garantir a quantidade de produção prevista para cada linha e turno, com correta relação produção/pessoal (n. 4); adoção do sistema Ergo-UAS, referido no anexo técnico n. 2 (considerado elemento do acordo), com a previsão de três pausas de dez minutos cada (as duas primeiras de trinta minutos) (n. 5); recuperações produtivas realizadas, bem como no intervalo de meia hora entre turnos, também no 18º turno e nos dias de descanso individual, sujeitas a exame conjunto com o Rsu (n.º 7).

Na frente do remuneração, foi sancionada a exclusão de qualquer integração empresarial para os trabalhadores colocados nos Cigs, obrigados a participar na formação necessária à activação da nova organização do trabalho (n. 6): o Cigs estava destinado a durar dois anos a partir do início dos investimentos ( nº 9); a supressão das rubricas salariais, agrupando-as na rubrica "supermínimo individual inabsorvível", de acordo com montantes forfetários, reservados aos trabalhadores já em vigor, com exclusão das novas contratações (n.º 10). estes pontos relativos à organização do trabalho e à remuneração houve um vivo controvérsia, que, no entanto, atingiu seu ápice, com a intimação, bem como a lei, da própria Constituição, no tocante a três outros pontos: n. 8 (“absenteísmo”), n. 14 (“cláusula de responsabilidade”) e no. 15 (“cláusulas complementares do contrato individual de trabalho”).

Ponto nº. 8, emabsentismo, previa: a) “combater as formas anómalas de absentismo que se verifiquem por ocasião de determinados acontecimentos não imputáveis ​​a formas epidemiológicas... de remuneração por parte da sociedade» , podendo uma comissão paritária apreciar «os casos particularmente críticos a que não se aplique o disposto no número anterior»; b) dada "a elevada taxa de absentismo... em conjugação com as eleições políticas, administrativas e referendárias... e jogos de futebol (ed)" a possibilidade de encerramento da fábrica "pelo tempo necessário", com recurso ao salário cobertura «a instituições salariais colectivas (como férias)» e com retoma da produção «sem encargos adicionais a cargo da empresa»; c) «o reconhecimento de descansos/pagamentos nos termos da legislação em vigor em matéria eleitoral... exclusivamente em relação aos presidentes, secretários e membros das mesas de voto devidamente nomeados». Parágrafo nº. 14, sobre a cláusula de responsabilidade (voltada para combater greves promovidas por coalizões espontâneas ou por sindicatos totalmente minoritários), foi de longe a mais polêmica. Era composto de duas partes, que tinham como premissa o fato de o contrato “constituir um todo integrado, de modo que todas as suas cláusulas são correlatas e indissociáveis ​​entre si”. Os destinatários das obrigações eram as organizações sindicais e as Rsu, naturalmente se e como signatárias.

Houve vários comportamentos pelos quais os destinatários foram responsabilizados: em primeiro parte «o incumprimento dos compromissos assumidos ou condutas adequadas a tornar inexequíveis as condições pactuadas para a execução do Plano e os consequentes direitos ou exercício dos poderes conferidos à Empresa por parte das organizações sindicais e/ou pelo RSU, também de componentes individuais"; no seconda, o «comportamento individual e/ou coletivo dos trabalhadores suscetível de violar, no todo ou em parte e de forma significativa, as cláusulas do presente acordo ou tornar inexequíveis os direitos ou o exercício dos poderes por ele reconhecidos à Empresa» . Mas as sanções foram suportadas apenas pelos sindicatos e do RSU: o primeiro parte contemplava a desobrigação da Companhia: a) "das obrigações decorrentes deste contrato"; b) bem como... «das provenientes do CCNL dos Metalúrgicos relativas a: – contribuições sindicais, – férias sindicais remuneradas de 24 horas trimestrais dos membros dos órgãos sociais nacionais e provinciais das organizações sindicais»; c) bem como «pelo reconhecimento e consequente aplicação das condições mais favoráveis ​​ao CCNL dos Metalúrgicos constantes dos acordos de empresa relativos a: – licenças sindicais suplementares para além do horário estabelecido na lei 300/70 para os membros da RSU , – reconhecimento da figura do perito sindical e respetivas licenças sindicais»; e a seconda referidos no primeiro, prevendo para a Sociedade "os mesmos efeitos libertadores indicados na parte anterior deste ponto". Por sua vez, o n. 15, sobre as cláusulas complementares do contrato individual de trabalho, sancionadas para empregados individuais, que «as cláusulas deste acordo integram a regulamentação dos contratos individuais de trabalho dentro das quais devem ser consideradas correlatas e indissociáveis, de modo que a violação pelo trabalhador de um deles constitui infracção disciplinar prevista nas listas, progressivamente, dos artigos contratuais relativos a medidas disciplinares conservadoras e despedimentos por falta e acarreta a perda de eficácia relativamente a ele das demais cláusulas". Ao final do parágrafo n. 16, previa a constituição de uma Comissão Mista de Conciliação, «fórum preferencial e privilegiado para o exame de eventuais situações concretas que ensejem o incumprimento dos compromissos assumidos pelas organizações sindicais signatárias do presente acordo, bem como para o exame da eficácia das as consequências nele previstas para com as Organizações Sindicais, entendendo-se que, na falta de apreciação conjunta das partes, a Empresa procederá de acordo com o disposto no ponto 14 do presente acordo». E “durante o referido procedimento, as organizações sindicais não recorrerão à ação direta e... do lado da empresa, não procederá unilateralmente”.

Basicamente, em Pomigliano e nos outros estabelecimentos, a Fiat queria melhorar a saturação das plantas e obter um aumento na produção de carros, objetivos para os quais ele havia pedido e obtido (dos principais sindicatos tudo menos ) aquelas derrogações que são liberadas, por meio de negociação, em todos os países europeus e desenvolvidos onde existiam e eram praticadas relações laborais normais (a Espanha do socialista Zapatero, à época, promoveu por decreto-lei a prevalência da aplicação de negociações empresariais amplamente depreciativas). No entanto, naqueles meses, a grande maioria dos advogados trabalhistas (em harmonia com o estabelecimento de todas as vocações) não hesitou em apoiar Fiom, que acusou Lingotto de querer impor um método oitocentista de relações trabalhistas. Essas mesmas forças políticas e sindicais, convencidas de que afinal o acordo tinha de ser assinado (sobretudo depois do resultado favorável do referendo entre os trabalhadores), o fizeram em nome de uma espécie de estado de necessidade. E quando o ministro Maurizio Sacconi conseguiu que o Parlamento aprovasse um dispositivo – artigo 8º do decreto 138/2011 – que poderia resolver o problema dos acordos Fiat, ultrapassando os limites do protocolo de 28 de junho de 2011 (também assinado pela CGIL), que admitia , sob certas condições, o recurso às derrogações contratuais, mas excluiu de sua aplicação, porque assinado anteriormente, os acordos de Pomigliano e Mirafiori (deixando-os assim à mercê de recursos judiciais interpostos pela Fiom em vários tribunais espalhados pela península), até mesmo Emma A Confindustria de Marcegaglia, em setembro do mesmo ano, resignou-se a um acordo com as confederações sindicais no qual se comprometia a não aplicar, por meio de acordos descentralizados, aquela norma de caráter derrogatório em relação aos contratos e disposições legais nacionais. O que levou aosaída da Fiat da Federmeccanica e Confindustria, fato que produziu uma mutação genética da própria natureza da organização Viale dell'Astronomia.

Nos últimos dias, o presidente Vincenzo Boccia teve a coragem de recitar (em nome de seus antecessores à frente da Confindustria) o mea culpa, um exemplo que outros tiveram o cuidado de não seguir. «Sergio Marchionne foi um homem de ruptura, hoje diríamos disruptivo – reconheceu Boccia em entrevista ao Corriere della Sera – E a decisão que ele tomou então permanecerá como o gesto mais clamoroso da história da Confindustria. Mas a homenagem que lhe quero prestar em horas tão dramáticas é reconhecer como se faz a cesura. Acontece que empresas individuais podem dar vida a práticas mais avançadas do que as organizações representativas, afinal passamos por traumas ou comparações. Marchionne escolheu a primeira rota e nós chegamos depois, mas o local de desembarque é o mesmo». Mas até que ponto ainda está este porto?

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