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“O império irresistível”: os EUA de Trump e o fim da dominação americana

O encanto do império americano dos mercados é realmente tão indestrutível quanto surreal? Este é o argumento central do ensaio "O império irresistível" de Victoria De Grazia

“O império irresistível”: os EUA de Trump e o fim da dominação americana

O encanto do império americano dos mercados é realmente tão indestrutível quanto surreal?

"Pelo menos para a China, o presidente Donald Trump é um presente que nunca deixa de dar satisfação". Estas são as palavras usadas por Minxin Pei para introduzir sua análise sobre as relações China-EUA e as repercussões das escolhas e ações dos respectivos governantes, noticiado pela Internazionale. Todo o caos gerado pelas palavras do presidente Trump e os embates sobre o resultado das eleições são na verdade um verdadeiro benefício para a propaganda chinesa.

Isso, somado às políticas hostis adotadas nos últimos anos pelo governo americano, só aumentará o consenso e a popularidade do chinês, servindo também para suavizar o tom e as ações dos aliados tradicionais que, gritando "os Estados Unidos primeiro", têm acharam realmente difícil perseverar na construção de uma ampla coalizão que pudesse, de alguma forma, contrariar a China. 

E assim, mais uma vez, podem ter sido os próprios americanos, desta vez por meio de seu presidente, a causa do surgimento de mal-entendidos, ressentimentos e atitudes hostis internacionalmente. Muitos estão assistindo e esperando que a eleição do democrata Biden também possa servir para prevenir e mitigar eventos desse tipo. 

Após os ataques da Al Qaeda aos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001, os profissionais de marketing prometeram revisar a má imagem do Império do Mercado. Os estrategistas de comunicação começaram a trabalhar: o terrorismo islâmico talvez fosse a consequência de algum mal-entendido básico dos argumentos americanos? Talvez a "máquina de marketing global" que havia anunciado os hábitos e produtos típicos do modo de vida americano tenha de alguma forma alimentado um profundo mal-entendido dos valores positivos inerentes à cultura material ocidental?

Uma política de “América em primeiro lugar” in de fato não se sentia desde o início do milênio, quando a Guerra Global ao Terror desencadeada pelos americanos teria se transformado em uma daquelas guerras sem fim que acontecem quando grandes impérios lutam contra seu próprio declínio, causando o caos. 

E isso, no livro "O Irresistível Império" por Victoria DeGrazia, é um sinal inequívoco da queda do "grande império do mercado", ou melhor, da América que, com sua democracia empresarial, assumiu por décadas a liderança da luta pela conquista do mundo por meios pacíficos. 

Capa do livro O Império Irresistível

“Deixe suas ideias e sua imaginação se espalharem pelo mundo e, fortes na convicção de que os americanos são chamados a levar liberdade, justiça e humanidade aonde quer que vão, vão ao exterior para vender mercadorias que conduzam ao conforto e à felicidade de outros povos, convertendo-os aos princípios sobre os quais a América é fundada" 

(Presidente Thomas Woodrow Wilson, Detroit, 10 de julho de 1916)

Como De Grazia aponta várias vezes no texto, em seu discurso público, o presidente Wilson colocou ênfase naqueles artifícios astutos, naquela comunicação sedutora, naquela empatia calculada que geralmente são identificadas com A sociedade de consumo. Adotando assim uma noção puramente americana de democracia, o que se poderia definir como uma “democracia do reconhecimento”, baseada em um mínimo de elementos comuns, como usar a mesma camisa ou os mesmos tênis, ou mesmo as mesmas marcas. 

Uma imagem a exportar calculada ao mais ínfimo detalhe. E, quando essa imagem vacila ou se mostra distorcida em relação às intenções, prontamente tentamos nos proteger.

Em 2 de outubro de 2001, o governo Bush deu a Charlotte Beers, celebrada no mundo das relações públicas como a rainha do branding, um novo cargo no Departamento de Estado, nomeando-a subsecretária de diplomacia pública e relações públicas. Em março de 2003, quando o governo Bush travou guerra contra o Iraque, Beers renunciou por motivos de saúde. Testemunhando perante o Comitê de Relações Exteriores do Senado uma semana antes de deixar o cargo, ele concluiu: A lacuna entre quem somos, o que gostaríamos de parecer e o que os outros veem em nós é assustadoramente grande. 

Até a década de XNUMX, o avanço da cultura de consumo americana, para o bem ou para o mal, realmente parecia o leitmotiv do progresso global. Foi uma força revolucionária, dotada de invenções sociais e de uma mensagem de direito ao bem-estar tão eficaz quanto uma revolução política na escolha de antigos vínculos. No entanto, uma revolução não é permanente por natureza, muda de rumo, sai correndo. Ou os princípios e instituições que defende se espalham tanto que não são mais identificados com os promotores originais. Novas forças entram em ação. Acontece que as soluções do passado se transformam em problemas do presente. 

Embora talvez os Estados Unidos ainda sejam a força mais dinâmica impulsionando a atual cultura de consumo global, com certeza eles não exercem mais influência tecnológica de forma a monopolizar as inovações nem na produção nem no consumo. E isso justifica muitas das As preocupações comerciais do presidente Trump. E gritar a supremacia americana não bastaria para desmascarar o blefe, assim como, no início do novo milênio, as iniciativas do governo para assumir a gestão de vendas acabaram revelando que a arte de vender deixou de ser um instrumento de estadismo, mas um substituto dele e a vitrine perturbadora onde a política do Império, com sua belicosidade global, era exibida. 

Na época, em meio às incertezas da opinião pública mundial, as empresas norte-americanas não sabiam mais se era lucrativo ou não associar a venda de seus produtos à venda da imagem da nação americana. E, agora que as multinacionais se globalizaram, nada impede que os pioneiros do multinacionalismo sejam vítimas de predadores globais

Poderia Biden representar uma rede de segurança eficaz para a imagem, mesmo antes das operações, do velho e irresistível Império Americano do Mercado?

Bibliografia de referência

Victoria De Grazia, O império irresistível. A sociedade de consumo americana para conquistar o mundo, Giulio Einaudi Editore, Turim 2006 e 2020.

Título Original: Irresistible Empire. O avanço da América através da Europa do século XX. 

Edição italiana traduzida por Andrea Mazza e Luca Lamberti.

Victoria De Grazia ensina História Europeia na Universidade de Columbia em Nova York. Sobre a Itália do século XX publicou Consenso e cultura de massa na Itália fascista (1981) e Mulheres no regime fascista (1993). Com Sergio Luzzato editou o Dicionário do Fascismo (2002).

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