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O diálogo é um ato revolucionário mesmo em nossa época

Publicamos um trecho do livro "Discussão em nome do céu" de Vittorio Robiati Bendaud e Ugo Volli, publicado pela Guerini e Associati com goWare

O diálogo é um ato revolucionário mesmo em nossa época

Gostaríamos de oferecer-lhe um trecho de um livro já estimulante intitulado: Argumente em nome do céu. Mesmo que o título tenha um significado preciso, como convido você a descobrir, ainda o considero uma bela exortação universalista. Peço desculpas por tal tensão neste, em todo caso, um belo livro. É uma obra de Vittorio Robiati Bendaud, estudioso do pensamento judaico engajado no diálogo judaico-cristão em nível internacional e de Ugo Volli, semiólogo e filósofo da linguagem. O livro foi publicado há poucos dias pela Guerini e Associati com goWare (para a versão digital).

O diálogo é um dos comportamentos mais revolucionários da vida coletiva e tem origens tão antigas quanto o homem. Na própria Bíblia, como escrevem os autores, o diálogo não é apenas uma prática cognitiva, mas uma prática essencialmente ética que visa envolver os participantes em decisões comuns (ver episódio de Abraão e Isaque).

Infelizmente o diálogo é um farol que cada vez mais se apaga em nosso mundo, uma luz bruxuleante escurecida por uma verdade assertiva e absoluta que não pretende entrar em confronto. Os dois autores escrevem sobre essa verdade monológica e seu nêmesis, o diálogo polifônico:

"E assim a verdade, que é monológica - mesmo quando Deus se inclina sobre o ser humano e conversa com ele, como o Bíblia conta -, torna-se imediatamente dialógica, múltipla, como as faíscas produzidas por um martelo que estilhaça a rocha. Esta é a origem da discussão e seu valor altamente positivo”.

Discutindo precisamente a geração de faíscas como aquelas produzidas por um martelo que estilhaça uma rocha (imagem maravilhosa). Qualquer verdadeiro diálogo, verdadeira discussão "implica sempre - como escrevem Robiati Bendaud e Volli - uma comparação de pensamentos, argumentos, perspectivas e identidades, que se espelham, se opõem e se definem no turbilhão da relação com o outro".

Como proposta de leitura deste livro escolhemos esta passagem, mais filosófica, que trata da cultura dialógica grega que imprimiu as conotações da forma dialógica moderna e definiu seus métodos e propósitos.

O diálogo como um valor em si

No diálogo grego partimos da hipótese: ipótese, ou seja, o que é (tese) sob (ypo) a discussão. No entanto, a palavra grega usada por Platão é «problema», que tem como etimologia «o que se joga para a frente», posto diante dos olhos de todos: não se trata do nosso problema a resolver, mas precisamente de uma hipótese de solução.

O diálogo é o processo de verificação ou falsificação dessas suposições por meio da interação verbal. Ao fazê-lo, dá-se um passo fundamental no caminho da comunicação.

Nos expomos ao diálogo pelos mais variados motivos. No entanto, no momento em que se mergulha nele, é-se forçado a considerar o discurso como um valor em si: o diálogo tem suas próprias regras, sendo a mais importante a garantia de seu desenvolvimento ordenado.

Discutindo segundo modalidades científicas, que são basicamente ainda as socráticas, nos encontramos em uma posição de responsabilidade perante o diálogo, suas formas gramaticais, sintáticas e semânticas.

Como qualquer quadro, o diálogo também forma uma espécie de prisão, de um ambiente fechado do qual não se pode escapar. Acima de tudo, as posições expressas não podem fazer isso porque, como em todos os ambientes lógicos, cada proposição traz consigo uma série de consequências, que são desenvolvidas de forma coerente.

As regras do diálogo

Em particular, não é permitido fazer duas afirmações contraditórias: para qualquer sistema lógico, a afirmação de uma proposição, combinada com a de seu contraditório (A e não A), permite deduzir qualquer outra proposta e claro também o seu oposto; portanto a contradição compensa indeterminado discurso, elimina a distinção entre verdadeiro e falso, esvazia o sentido da linguagem.

Depois de uma contradição não é mais possível continuar o diálogo; o que eles dizem não faz mais sentido. Para Sócrates, a contradição é em si um sofrimento, uma discórdia da alma que não é suportável. Mas o compromisso dos interlocutores com o diálogo que empreendem é mais amplo e profundo do que a rejeição da contradição.

Afinal, é aqui que começa a intuição de Habermas: o fato de a comunicação ser a estrutura fundamental de nosso mundo social nos leva a propor regras pragmáticas básicas, nem subjetivas nem objetivas, mas colocadas sob a condição da própria possibilidade do discurso e, portanto, da conhecimento, da própria percepção da realidade.

No entanto, o compromisso comum de proteger o diálogo não é de forma alguma o sinal de uma busca pacifica comum, de um colaboração. Se quisermos dar-lhe uma caracterização final, o diálogo grego é uma luta simbólico da verdade.

Diálogo como combate lógico

Procuremos compreender melhor este ponto, procurando situá-lo na transição entre o pensamento mítico e o pensamento racional, como o caracteriza Colli (1972). Segundo Colli, a oposição teorizada por Nietzsche entre o apolíneo e o dionisíaco, onde a tragédia pertencia à esfera dionisíaca e a filosofia à apolínea, não se sustenta.

A sabedoria atribuída na tradição grega ao nome de Apolo não é nada pacificada, mas fundamentalmente violento, e é caracterizado porenigma, cuja raiz é a sabedoria religiosa arcaica: não uma declaração e prescrição de um deus benevolente, mas um conflito entre homens e deuses.

Tal como o conhecimento se conquista através da luta, toda a tradição grega é atravessada por este grande paradigma agonístico, em que a vitória tem um forte significado religioso e a derrota implica perigo mortal, não só a nível psicológico.

No enigma, de significado múltiplo, está a ideia de que quem não consegue penetrar suficientemente na palavra e na sabedoria perde não só o desafio, mas também a si mesmo.

Isso em ambos os casos: tanto para o enigma que dá origem ao desafio e à luta entre homens e deuses, quanto para o enigma que dá origem ao desafio e à luta entre os homens: um duelo entre estudiosos. Assim acontece, por exemplo, com Homero, o maior dos poetas gregos, que, segundo uma tradição referida por Heráclito, morre por não ter conseguido responder ao que nos parece um enigma trivial.

Do diálogo à dialética

Aqui começa a se configurar uma inversão que - segundo Colli - está na base do "milagre" grego. Por volta do século V ou VI, de fato, a luta se transforma em dialética. A forma geral da dialética é a de uma encruzilhada, de uma árvore lógica em que a escolha deriva de uma discussão.

Ela não é alcançada com base na livre troca de opiniões, mas é articulada em perturbado colocadas por um questionador na forma de dilemas e pelas escolhas de um declarante. Com esse mecanismo repetido sempre que necessário, deve-se conseguir a eliminação da opção errada, mostrando que ela não se sustenta, que se contradiz.

Em Sócrates e Platão o questionador detém uma verdade que tenta trazer à tona: o processo funciona, quando dá certo (nem sempre), como um ácido que elimina tudo o que pode ser dissolvido, mas que deixa intacto, aliás revela e faz, uma núcleo incorruptível da verdade, redescobrindo assim, pelo menos em parte, o legado da antiga sabedoria perdida.

O que Sócrates e os sofistas têm em comum é a consideração da raiz destrutiva do caminho polêmico. Todas as cautelas com que o diálogo se reveste resultam de uma percepção muito clara do perigo de dialogo, ou ritualizações de formas de combate por não respeito para o adversário como vizinho, mas tudo medo que se sente por ele como sendo, por assim dizer, armado.

A polifonia do diálogo não é - ou não é apenas - uma simples premissa para uma comunicação de conteúdos, mas luta regulamentada, em que a oposição é fundamental e fecunda e o negativo manifesta sua capacidade criativa. A própria explicitação do conflito é, na cultura grega, um valor.

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Baseado em: Vittorio Robiati Bendaud e Ugo Volli, Argumente em nome do céu. Diálogo e dissensão na tradição judaica, Guerini e Associati, com goWare (para digital), Milão, 2021, pp. 66–69.

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Os autores

Vittorio Robiati Bendaud

Ele coordena o Tribunal Rabínico do Centro-Norte da Itália e há muitos anos está envolvido no diálogo judaico-cristão em nível internacional. Aluno de Giuseppe Laras, aprofundou o estudo do pensamento judaico e a relação entre o genocídio armênio e a Shoaḥ.Autor e tradutor, colabora com numerosos jornais e revistas. Escreveu para Guerini e Associati A estrela e o crescente. Breve história dos judeus nos domínios do Islã (2018).

Ugo Volli

Semiólogo e filósofo da linguagem, foi professor de Semiótica na Universidade de Torino. Escreveu sobre teatro, comunicação, cultura em la Repubblica, L'Europeo, Época, café expresso, The Morning. Entre suas obras são lembradas manual de semiótica (2002) Aulas de filosofia da comunicação (2008) O resto é interpretação. Por uma semiótica das escrituras judaicas (2019). Para as nossas edições editou, com Martina Corgnati, O genocídio sem fim (2015).

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