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BLOG DE ALESSANDRO FUGNOLI (Kairos) – Você ganha menos na bolsa, mas não revoluciona sua carteira

DO BLOG “RED AND BLACK” DE ALESSANDRO FUGNOLI, estrategista da Kairós – A Bolsa dará menos satisfação e será mais volátil também porque o cobertor do crescimento global ficou mais curto e as empresas estão exagerando nas recompras, mas os lucros continuarão sustentando as ações como títulos perto do fim de sua caminhada secular

BLOG DE ALESSANDRO FUGNOLI (Kairos) – Você ganha menos na bolsa, mas não revoluciona sua carteira

Na era (dizem eles) de mudanças climáticas repentinas e violentas, até os mercados financeiros estão começando a se mover de forma diferente do passado. Um dia em que o rendimento dos Bunds dobra, em que o Dax tem uma alta de 5% entre mínimas e máximas e em que o rendimento dos Treasuries sobe no momento em que ficamos sabendo que o PIB dos EUA permaneceu estável no primeiro trimestre merece alguma reflexão. A primeira é que a manta de crescimento global, que já não era abundante, vem encolhendo nos últimos meses. Além da América, já mencionada, a China também está desacelerando acentuadamente, enquanto alguns países emergentes importantes, como Rússia e Brasil, entraram em recessão. A exceção é a Europa, que no primeiro trimestre provavelmente cresceu a uma taxa anualizada de 2,5%, o nível que os Estados Unidos deveriam ter alcançado, mas que os Estados Unidos perderam de forma espetacular.

A segunda reflexão é que a inflação, dada continuamente à beira de afundar ou subir, permanece mais calma do que os observadores que a comentam. Por trás dessa calmaria, porém, está o trabalho titânico das taxas de câmbio entre as moedas que, ao se moverem, redistribuem a inflação baixa e o baixo crescimento deste mundo para não deixar ninguém perder uma hora e outra do outro. Muitos comentaristas gostam de enquadrar os movimentos da taxa de câmbio nesta fase histórica no conceito de uma guerra cambial de todos contra todos. Tons apocalípticos sempre funcionam, mas não são necessariamente apropriados. Existe de facto uma certa racionalidade nos ajustamentos dos últimos dois anos e também uma razoável vontade de colaboração entre os vários países. A América, que nunca amou, exceto em palavras, o dólar forte, primeiro aceitou um iene fraco e depois um euro fraco quando percebeu que a situação no Japão e na Europa estava se tornando insustentável. O ajuste foi bem-sucedido e permitiu, por um lado, retomar o crescimento e, por outro, não cair em espiral deflacionária.

O preço pago pela América é a renúncia a essa aceleração do crescimento rumo aos 3% que teria sido realmente possível, pelo menos neste ano, se o dólar não tivesse se fortalecido. Porém, uma coisa é abrir mão dos 3 para salvar o resto do mundo, outra coisa é pagar o resgate com um crescimento zero (ou 1-1,5 por cento se excluirmos o grande frio e a greve dos estivadores na Califórnia). Claro que assim o aumento das taxas americanas será adiado para o final de 2015, mas para devolver cor e ar fresco à economia americana também é preciso desinflar um pouco o dólar, pelo menos por um ou dois trimestres. O convés, puxado abruptamente para o lado europeu, agora é gentil e prudentemente parcialmente (pequeno, acreditamos) puxado para trás em direção ao lado americano. As bolsas de valores europeias, vendo um euro menos exangue, estão assustadas além da conta. As posições mais agressivas são rapidamente reduzidas e reposicionadas parte em dinheiro e parte na bolsa de valores americana. Uma das surpresas destes últimos dias é mesmo a excelente estabilidade dos lucros das empresas americanas, incluindo, em muitos casos, as que exportam para o mundo.

Temos assim a situação quase paradoxal em que, em um mundo que cresce pouco e com pouca inflação, os lucros explodem no Japão, mantêm-se muito bem na América e devem crescer significativamente na Europa. A grande recuperação dos títulos e ações certamente deve muito à política monetária do banco central, mas também tem suas próprias motivações na baixa inflação e nos altos lucros. O mundo é, portanto, instável e frágil, mas poderia ser pior. No entanto, há um fato que não deve ser esquecido. Parte dos bons resultados americanos deve-se às operações Engenharia financeira. Atenção, não são truques de contabilidade ou embelezamentos cosméticos, são operações perfeitamente legítimas que, no entanto, devem ser escrutinadas com cuidado. O que acontece é que cada vez mais empresas aproveitam juros zero, se endividam agressivamente e compram ações em tesouraria com os recursos, sustentando assim o preço de suas ações na bolsa e elevando o nível de lucro por ação. Esse comportamento costuma ser criticado por dois motivos. A primeira é que as empresas admitem, usando dinheiro para comprar ações, que não têm muitas ideias para o uso produtivo do dinheiro ou, pior ainda, que não têm confiança no futuro de seu setor.

A segunda é que comprar ações do tesouro nas altas do mercado de ações pode não ser uma boa ideia. O precedente de 2007-2008, outra fase em que as recompras atingiram níveis muito elevados, serve para nos lembrar. Porém, há também um terceiro aspecto a ser considerado, ainda mais grave por ser sistêmico. De fato, na próxima crise, nos encontraremos com um mercado de ações que cairá de um nível inflado por recompras e com empresas com um balanço menos sólido do que teriam se estivessem parados. As recompras, que idealmente deveriam ser lançadas com uma intenção anticíclica (comprar ações do tesouro nas baixas, não nas altas), novamente se mostrarão pró-cíclicas. Dito isso, a realidade das demonstrações financeiras corporativas deve ser considerada em sua complexidade. É verdade, como Druckenmiller aponta, que a dívida corporativa nos Estados Unidos passou de 3.5 trilhões em 2007 para 7 trilhões hoje, mas é igualmente verdade, acrescentamos, que nesse meio tempo a maioria das empresas acumulou fluxos de caixa positivos impressionantes. É frequente o grande acúmulo de caixa fora dos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, o crescente recurso à dívida no mercado doméstico para a recompra de ações em tesouraria, principalmente entre as multinacionais.

Quanto a turbulência no mundo dos títulos, era razoável esperar que a volatilidade aumentasse mais cedo ou mais tarde, embora seja bizarro que o aumento dos rendimentos ocorra em um momento em que o crescimento global está se mostrando mais fraco do que o esperado. Em certo sentido, isso representa um sucesso para os formuladores de políticas, que conseguiram criar um mínimo de expectativa de inflação. É provável que a aberração das taxas negativas na Europa termine em breve e da melhor forma para a economia, ou seja, graças a um modesto aumento da inflação e não graças a um aumento das taxas reais. Os títulos sofrerão, mas de forma muito limitada. Operacionalmente, não achamos que seja hora de ajustar agressivamente os portfólios. O que precisa ser ajustado são, no mínimo, as expectativas de desempenho em um mundo em que os títulos estão chegando ao fim de sua alta secular e em que as ações manterão o importante suporte dos lucros crescentes, mas terão que pagar com o fim da expansão múltipla a maior volatilidade aparecendo no horizonte. Quanto ao dólar, não achamos que os Estados Unidos precisem de uma forte desvalorização do dólar para impulsionar sua economia. Por outro lado, assim que o impulso surtir efeito, o dólar voltará a ser a moeda de eleição devido à força estrutural de sua economia.

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