comparatilhe

Trump e China: como terminará o duelo?

De "O VERMELHO E O PRETO" de ALESSANDRO FUGNOLI, estrategista da Kairós-Trump reabre uma discussão sobre protecionismo e livre comércio que já estava viva nos tempos de Marx e Engels mas ideologia é uma coisa e a realidade de hoje – as armas de Trump e os dos chineses com Kissinger nos bastidores

Trump e China: como terminará o duelo?

O protecionismo preserva, o livre comércio destrói os países mais velhos e leva ao extremo o antagonismo entre proletariado e burguesia, acelerando a revolução social. É por isso, senhores, que voto pelo livre comércio. Era 9 de fevereiro de 1848 e com essas palavras Marx concluiu seu discurso perante uma assembléia de trabalhadores em Bruxelas. O tema está muito quente.

Industriais ingleses conseguiram recentemente revogar as Corn Laws, que com suas tarifas protegiam os proprietários de terras da concorrência da agricultura francesa. Agora o trigo custa muito menos e os industriais podem pagar menos pelos trabalhadores, que estão de fato inquietos e desapontados. A eles foi prometido pão barato, mas não salários reduzidos.

Quarenta anos depois, Friedrich Engels, colaborador e financiador de Marx por toda a vida, relê o discurso de Bruxelas e extrai interessantes reflexões dele. Engels, que é revolucionário, mas também um industrial inteligente, compreende perfeitamente os limites do protecionismo. Se você protege uma indústria, diz ele, prejudica outras no mesmo país e acaba tendo que protegê-las também. Se você protege tudo, por outro lado, não pode se iludir pensando que outros países não farão o mesmo.

No entanto, a América está certa em proteger sua indústria porque ela está em um estágio inicial. Dessa forma, ela se desenvolverá mais rapidamente e estará pronta para ultrapassar e competir com a indústria britânica em menos tempo do que levaria sem proteção. Eventualmente, porém, a ampla adoção do livre comércio, juntamente com o crescimento da produtividade, acelerará o desenvolvimento global sem beneficiar o trabalho. Daí a crença renovada de que o livre comércio acelerará a revolução. O debate sobre o comércio internacional perpassa todo o século XIX. O século abre sob a bandeira do protecionismo e fecha sob a bandeira do imperialismo, mas a parte mais interessante, vista hoje, é a do meio, quando o livre comércio parece prevalecer, pelo menos no plano ideológico, e tenta entender a própria razão de ser.

Entre os vitorianos (ver The Mid-Victorian Generation 1846-1886 editado por T. Hoppen) uma inspiração inicial febril e até religiosa para a globalização é sentida. Jesus Cristo é o Livre Comércio e o Livre Comércio é Jesus Cristo, disse em um discurso o utópico unitarista Sir John Bowring, futuro governador de Hong Kong. Acredita-se que a globalização trará consigo a fraternidade, a paz universal perpétua e o crescimento econômico. Para aqueles temporariamente deixados para trás, as leis dos pobres, uma forma rudimentar de salário dos cidadãos, foram aprovadas várias vezes.

Em sua primeira fase, o entusiasmo pelo livre comércio une os Little Englanders (os isolacionistas que defendem que o império pode ser descartado porque o comércio global o tornará supérfluo) e os imperialistas, que defendem uma integração em duas velocidades, mais rápida dentro do império e necessariamente mais lento com o resto do mundo. Será este último, muito em breve, a prevalecer. Aos primeiros sinais de problemas para os exportadores britânicos, será a diplomacia da canhoneira que abrirá caminho para o livre comércio.

Com um século e meio a mais de experiência histórica do que os vitorianos, hoje podemos nos dar ao luxo de ser globalistas adultos e admitir algumas verdades. A primeira é que a pressão pelo livre comércio sempre vem do mais forte e competitivo, que geralmente é também aquele que tem capacidade de produção maior que sua demanda interna. A Inglaterra vitoriana, os Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial e a China hoje (e, regionalmente, a Alemanha) estiveram e estão exatamente nessa situação.

A narração, de Sir John Bowring a Xi Jinping em Davos, não sublinha este aspecto, embora importante, e centra-se em valores como a liberdade e a paz. A segunda é que a globalização é um indicador de crescimento atrasado, e não avançado. Ou seja, é um efeito, não uma causa. A notória Lei Smoot-Hawley de 1930, com a qual as tarifas alfandegárias americanas foram dobradas, é filha, não pai, de uma queda na produção e no emprego que já havia começado há quase um ano. Embora seja amplamente reconhecido que esta medida (que obviamente correspondia a contramedidas dos parceiros comerciais) prejudicou ainda mais a economia, são as políticas monetária e fiscal as responsáveis ​​perante a crise.

Simetricamente, o desmantelamento do Smoot-Hawley em 1934 contribuiu para a recuperação, mas não foi sua causa primária, novamente monetária e fiscal. Roosevelt, além disso, absteve-se de eliminar as tarifas de 25% vigentes antes de 1930. Foi somente com o fim da Segunda Guerra Mundial que os Estados Unidos, tendo saído vitoriosos com um aparato industrial enormemente desenvolvido, projetaram uma ordem mundial voltada para o livre comércio. Afinal, o Plano Marshall foi uma grande operação de financiamento de fornecedores, semelhante ao que a China faz hoje em muitas partes do mundo, na qual a capacidade de produção americana excessiva foi liberada, dando tempo à Europa para se reerguer.

A terceira observação é que a globalização mal gerida, como bem sabemos na Itália, pode ser destrutiva se o país que a vivencia for inflexível. Trump, ideologicamente, não é protecionista e os temores dos mercados de títulos sobre as consequências inflacionárias de sua política são excessivos. Trump certamente tem um mandato dos eleitores dos antigos estados industrializados (decisivo em sua vitória em novembro e decisivo em sua eventual reeleição em 2020) para interromper a hemorragia de fábricas e empregos. A mudança do México para Michigan certamente fará com que os custos de mão-de-obra por funcionário aumentem acentuadamente, mas muitos trabalhadores serão substituídos por robôs que não seriam econômicos de usar no México.

Na prática, haverá mais investimento em tecnologia e mais produtividade e o aumento do preço final será limitado. Se for esse o caso, pode-se argumentar, as margens corporativas serão pressionadas. É verdade, mas até certo ponto. Realmente haverá uma troca. A indústria automobilística do retorno ao lar verá a pressão do regulador sobre a eficiência energética diminuída. A farmacêutica que terá de disputar os contratos do Medicare cederá o poder de precificação ao governo, mas em troca terá uma aceleração e simplificação do caro processo de aprovação de novos medicamentos, aqueles com os quais normalmente obtém mais lucro. Os contratos com as empresas de defesa serão todos renegociados com grandes cortes de preços, mas em troca as encomendas vão aumentar. Apenas os bancos e a energia receberão (através da desregulamentação e impostos mais baixos) mais do que têm para dar.

A inflação será então controlada pelo dólar forte e pelos aumentos das taxas. Certamente Trump e Mnuchin tentarão periodicamente jogar água fria no dólar, mas a impressão é que provavelmente conseguirão bloqueá-lo, mas não reverter sua tendência natural de valorização.

Quanto à China, a nova campeã do livre comércio, tudo será questionado. As armas de Trump são Taiwan, a aproximação com a Rússia, um NAFTA reformado estendido para incluir o Reino Unido que penaliza as importações da China e, in extremis, a imposição de tarifas que podem chegar a 45%.

A China tem na mão a carta da Coreia do Norte, que só ela pode tentar controlar, a possibilidade de desvalorizar e de ameaçar com a venda de títulos do Tesouro dos EUA, o que elevaria as taxas (mas também baixaria o dólar). Antes de entrar nas negociações, porém, haverá uma fase em que Trump e Xi tentarão tomar medidas, com Kissinger nos bastidores que tentará manter o confronto em termos racionais. Já esta noite teremos a oportunidade de examinar os primeiros decretos da nova administração. Dólar, títulos e bolsas não parecem muito distantes dos valores que, pelo que pudemos entender, se poderia esperar. Atenção, porém, a partir de hoje entramos em um novo mundo.

Comente