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Ferrarotti: "O paradoxo italiano e a novidade de Renzi"

ENTREVISTAS DE FINAL DE SEMANA – Franco Ferrarotti, o pai da sociologia na Itália, fala: “O nosso é um país que enriqueceu rápido demais e agora tem medo de voltar a ficar pobre. Mas a entrada de Matteo Renzi no cenário político é uma novidade muito interessante. O referendo constitucional lembra-me aquele entre monarquia e república: é um desafio crucial desmantelar ou defender interesses e privilégios consolidados. Se o SIM não vencer, anos sombrios nos esperam, mas estou confiante na maturidade do povo italiano”.

Ferrarotti: "O paradoxo italiano e a novidade de Renzi"

Em XNUMX de abril, Franco Ferrarotti, excelente acadêmico e pai da sociologia na Itália, comemorou seus primeiros noventa anos em plena forma física e intelectual. Ele entrou nos lares italianos com o nascimento da televisão na década de XNUMX e continuou estudando e ensinando a evolução da sociedade até os dias atuais. Quem melhor do que ele pode contar e avaliar as mudanças de nossa época, mas também o estado de saúde de nosso país e da sociedade italiana? Eis o que Ferrarotti disse na entrevista ao FIRSTonline em seu estúdio romano repleto de milhares e milhares de livros que fotografam uma história cultural de primeira linha vivida entre Nicola Abbagnano, Adriano Olivetti, Felice Balbo e Cesare Pavese e a flor da cultura contemporânea e entre anos e anos de estudo e ensino na Itália, Europa e América.

FIRSTonline – Professor Ferrarotti, há algumas semanas o senhor comemorou seus primeiros noventa anos. No meio de tantos problemas e tantas dificuldades do nosso tempo, poucos poderiam testemunhar melhor do que vós que o prolongamento da esperança média de vida e a maior esperança de vida já não são um sonho mas uma realidade. Podemos dizer que esta é uma das mais belas novidades do nosso tempo?

FERRAROTTI – Com certeza sim, mas sabendo que nem tudo que reluz é ouro. Não só porque o envelhecimento está muitas vezes associado à solidão de muitos idosos, mas porque é o outro lado da queda da natalidade, como já aconteceu na França nos anos 92 e na URSS em XNUMX. Para além das dificuldades materiais que travam os novos nascimentos, a queda da natalidade é sinal de uma profunda desconfiança no futuro e da liquefação de uma sociedade que tem dificuldade em manter-se coesa após o declínio das ideologias. À nossa volta vejo uma grande crise de ideais e o refúgio cada vez mais generalizado no quotidiano e nas conveniências imediatas.

FIRSTonline – Como explica o recolhimento em si de uma época atravessada por grandes inovações como a globalização, as migrações bíblicas de refugiados e refugiadas e o enorme desenvolvimento do progresso técnico e científico?

FERRAROTTI – Explico vendo que a sociedade atual carece de princípios norteadores. A globalização é uma novidade que não deve ser enfatizada nem demonizada e que, se não for governada com inteligência, se reduz à expansão dos mercados, mas perde a oportunidade de promover um diálogo fecundo entre diferentes culturas, religiões e etnias. Mas há outro aspecto decisivo que domina os nossos tempos e que é fruto da queda de ideologias mas também de ideais?

FIRSTonline – O que é?

FERRAROTTI – É a predominância da técnica e da tecnologia, que certamente são atividades úteis ao homem, mas que não podem indicar objetivos fora de si mesmas, porque têm um valor puramente instrumental. Desta forma, os valores profundos de uma sociedade são obscurecidos e não somos mais capazes de indicar os objetivos dos povos. Não se pode entregar todo o destino a técnicos e engenheiros.

FIRSTonline – Parece que encontramos nas suas palavras o eco de uma pergunta que deu título a outro livro seu: “Capitalismo: luxo ou poupança”. É isso?

FERRAROTTI – A sociologia ensina-nos a ler e estudar as várias formas económicas e sociais sem preconceitos e preconceitos e o capitalismo, tal como se tem manifestado até agora, é multiforme, altamente móvel, adaptável a tudo mas, como disse Adriano Olivetti, pode ser superado auto. Tem extrema vitalidade, mas paga pelos seus triunfos. É cruel, age sem hesitação e não tem consciência histórica, mas até agora não foi inventado nenhum sistema econômico e social melhor.

FIRSTonline – A idade média aumentou, muitas doenças foram derrotadas, a fome no mundo diminuiu, embora existam milhões de pessoas que não têm o que comer e outras que sofrem de obesidade, as tecnologias fizeram maravilhas, mas l A humanidade de hoje parece atravessada por conflitos e medos: isso é um sinal dos nossos tempos?

FERRAROTTI – Sou um otimista incurável e sempre tenho uma visão positiva da sociedade que me vem das ciências sociais e dos estudos aos quais me dedico desde a juventude. Por isso digo que não devemos resignar-nos e que o nascimento de um novo humanismo gerido por um governo mundial, alimentado por um reformismo pragmático e moderno mas não sem grandes ideais, não é uma quimera e pode ser facilitado pelas novas tecnologias, desde que estas sejam consideradas em seu valor instrumental e não assumidas como a Bíblia da sociedade.

FIRSTonline – Dani Rodrik, em seu livro sobre "Globalização inteligente", argumenta que o trinômio - democracia, estado nacional e globalização - não existe mais e que um dos três termos está destinado a cair: será que ele está certo?

FERRAROTTI – Sim, também penso assim e naturalmente espero que nem a globalização, que é imparável, nem a democracia paguem o preço. Se temos que sacrificar algo, sacrificamos o Estado nacional, que fazia sentido até a Segunda Guerra Mundial, mas que hoje é obsoleto porque é muito burocrático e muito fraco para direcionar os investimentos necessários ao desenvolvimento.

FIRSTOnline – Professor, poucos como o senhor podem fazer um balanço das mudanças em nosso país: qual é a sua visão da Itália hoje?

FERRAROTTI – É o de um país paradoxal, como diz o título de um panfleto que escrevi há alguns anos. Uma sociedade antiga e um estado unitário de apenas um século e meio, durante trinta séculos uma sociedade rural e artesanal e depois, em pouco mais de uma geração (1950-1980), uma sociedade industrial: a chave para entender a Itália hoje está aqui . É um país que enriqueceu rapidamente e agora tem medo de voltar a ser pobre. Já não quer arriscar nada e guarda zelosamente as suas poupanças sem as investir em novas actividades produtivas, mas assim a Itália fecha-se em si mesma, fragmenta-se e desintegra-se e prepara uma nova pobreza. Dois milhões e meio de jovens desempregados são um barril de pólvora. E a dívida demográfica, que nos faz perder meio milhão de pessoas todos os anos, é ainda mais grave do que a dívida pública. Precisamos de um renascimento cultural e ideal antes mesmo de um renascimento político e econômico.

FIRSTonline – Depois de ter chegado perto da paralisia institucional no início da legislatura, o destino reservou-nos, no entanto, o primeiro-ministro mais jovem da Europa e um conjunto de reformas como nunca antes: qual é a sua opinião sobre a temporada de Renzi?

FERRAROTTI – Modernizar a Itália, como o primeiro-ministro diz querer fazer, é um desafio de apertar os pulsos mas a irrupção de um primeiro-ministro dinâmico como Matteo Renzi num país enredado pela corrupção, burocracia, familismo amoral é uma novidade muito interessante. Ele será capaz de remover os monsenhores imóveis que dominaram o estado italiano por muito tempo? Esperemos, mas o facto de falar com clareza, de não olhar na cara de ninguém e de enfrentar com coragem as lutas pelas reformas fala a seu favor e é um sinal encorajador.

FIRSTonline – Agora, porém, o divisor de águas desta legislatura passou a ser o referendo sobre a reforma da Constituição e a lógica seria que a escolha entre os que preferem uma reforma que, apesar de todas as suas limitações, reduza os custos da política e simplifique o processo de tomada de decisão e entre aqueles que, ao contrário, defendem a defesa do status quo, mas no debate público a verdadeira questão está lutando para emergir: este é o sinal de que nas escolhas dos italianos muitas vezes a emoção prevalece sobre a racionalidade?

FERRAROTTI – O referendo de hoje surge com efeito como um desafio crucial para desmantelar ou defender interesses e privilégios consolidados, desafio que vai muito além da própria reforma do Senado. Isso me lembra o referendo entre monarquia e república. Quando o poder estabelecido se sente fragilizado, ele sempre tenta se vingar, mas, Renzi ou não Renzi, se o SIM não vencer, caminhamos para anos sombrios. Mas tenho fé na maturidade democrática do povo italiano e acredito que, no final, a racionalidade prevalecerá.

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