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Eleições, você vota na França, mas decide pela Europa

As eleições presidenciais, que se abrem com a primeira volta no domingo 23 de abril após o novo atentado dramático em Paris, são um compromisso crucial não só para a França mas para o futuro de toda a Europa que não conseguiu suportar, após o Brexit, a saída do um país fundador como pergunta Le Pen: se a Frente Nacional vencer, a Europa já não existe – Eis os programas dos quatro principais candidatos na corrida ao Eliseu.

Eleições, você vota na França, mas decide pela Europa

“Os franceses enlouqueceram: afinal, essa conclusão só se chega quando se lê, em rankings internacionais, que a França se considera mais infeliz que o Zimbábue”. O editorial de Les Echos diz muito sobre como a França se apresenta, ainda mais abalada pelabombardeio na Champs Elysées na noite de quinta-feira, num encontro eleitoral chave para o seu futuro e para o da Europa. Na esteira de Trump e do Brexit, há quem tema o pior, mas um dos principais jornais franceses aumenta a dose: “Se o Reino Unido tem Farage e os Estados Unidos Trump, A França é o único país ocidental a ter dois dos presidentes de Trump., um na extrema direita e outro na extrema esquerda”. Qualquer referência a Marine Le Pen e Jean-Luc Mélenchon, os dois candidatos mais anti-sistema num cenário que já vê sete dos onze candidatos "competindo demagogia e incoerência", não é acidental.

E de acordo com as últimas pesquisas publicadas antes da votação, não se pode sequer descartar a priori (embora seja improvável) que serão os dois que se enfrentarão no segundo turno de 7 de maio: os quatro principais candidatos, incluindo o republicano François Fillon e o liberal progressista Emmanuel Macron (o único candidato que acredita fortemente num futuro para Paris na União), são de facto todos candidatos, cerca de 20% das preferências cada um. Um pouco acima dessa cota estão Macron e Le Pen (segundo alguém ainda reforçado pelos acontecimentos em Paris), que devem, portanto, ser os dois favoritos da véspera, mas a diferença nas pesquisas é muito estreita para dar a menor certeza. “No país de Descartes, os cidadãos vão acabar votando ao acaso”, insiste Les Echos, que vê nos cinco blocos de 20% (os quatro principais candidatos e o bloco dos demais) o sinal de um resultado final que pode até ser aleatório, ditado pelo humor do momento e pela sorte.

O que é certo é que não só a França, mas toda a França está jogando muito nesta rodada A Europa, destinada a morrer se o Brexit fosse descaradamente seguido pelo Frexit, pois não deixaram de destacar os 25 economistas ganhadores do Prêmio Nobel que assinou um apelo no Le Monde contra Marine Le Pen e o uso instrumental que ela está fazendo de suas teorias econômicas para fins de campanha eleitoral. De fato, entre os signatários está também Joseph Stiglitz, um conhecido eurocético que, no entanto, adverte: “Numa época em que a Europa e o mundo enfrentam provações sem precedentes, é necessária mais solidariedade, não menos. Os problemas são sérios demais para serem deixados para políticos divisivos." “Há uma grande diferença – prossegue o documento referindo-se à possibilidade, que Le Pen gostaria de concretizar através de um referendo, de a França sair não só da UE mas também da moeda única – entre optar por não participar na primeira instância e dela sair depois de adotá-la”.

Escusado será dizer que a comunidade internacional espera uma vitória de Macron, ex-ministro da Economia com Hollande e agora líder de um movimento independente "que quer tirar o melhor da esquerda, direita e centro". Um projeto ambicioso, que parece ser a única contrapartida possível ao entusiasmo populista, alimentado pela crise económica e pelo terrorismo, que já triunfou no último ano entre o Reino Unido e os EUA. Depois triunfou até certo ponto, dado que as vitórias do referendo do Brexit e de Trump foram muito estreitas (de facto, a maioria dos cidadãos americanos acabou por votar em Hillary Clinton), mas o que importa - e o que preocupa - é o resultado final. Um resultado muito incerto e que porventura seja sensacional: a França, país historicamente marcado pela bipolaridade política, nunca tinha apresentado uma grelha de partida tão heterogénea e compunha três quartos de partidos ou movimentos não tradicionais (ou pelo menos nunca esteve no governo). Aliás, no lote dos quatro, não há – segundo as sondagens – sequer lugar para Benoit Hamon, candidato do Partido Socialista, que acaba de governar o país há cinco anos.

Aqui estão os principais pontos dos programas dos quatro principais candidatos:

- MACRON

Se é verdade que o antieuropeísmo é o leitmotiv da campanha francesa, o único candidato expressamente europeísta, o ex-ministro da Economia de Hollande, lidera as sondagens, ainda que por um fio de cabelo. Macron, que de acordo com as projeções, ele venceria qualquer um assim que chegasse às urnas (ao contrário de Le Pen, que é um perdedor em todas as combinações), é a estrela em ascensão da política francesa. Ainda com menos de 40 anos, conseguiu ocupar um amplo espaço eleitoral deixado livre dos extremismos tão em voga: mesmo depois da experiência com o governo Hollande, julgada desastrosa pela maioria dos cidadãos, conseguiu se reinventar como centrista , ou melhor, liberal-progressista. O seu equilíbrio agrada aos franceses, talvez justamente por ser dos quatro candidatos ele seja o que menos mudaria as coisas, principalmente no front internacional.

sinal de vogal longa ele quer que a França permaneça firme na Europa, que cumpre o pacto de estabilidade défice/PIB de 3%, é também a favor dos tratados comerciais atlânticos com os EUA e o Canadá (o único entre os 11 candidatos) e continua a acreditar fortemente na NATO, aliás deixaria como está é, opondo-se a novas entradas. O ex-banqueiro dos Rothschilds também gostaria de manter Schengen, o ius soli, a atual lei sobre símbolos religiosos (proibida nas escolas desde 2004, o véu proibido em lugares públicos desde 2010), a atual e muito discutida Loi Travail (a Ordem do Trabalho Aja francês, que todos os outros 10 candidatos gostariam de ver novamente). Até nas pensões Macron é conservador (é o único que as deixaria exatamente como estão), enquanto as grandes novidades do seu programa são principalmente três: redução da carga fiscal para as empresas, mas sobretudo cortes enormes na despesa pública (nomeadamente através da supressão de 120 postos de trabalho) e abolição do IPTU para 80% dos que o pagam.

– MELENCÃO

Nascido em Marrocos de pais franco-argelinos e definido pelo Le Figaro como "o Chávez francês", gostaria de tributar rendimentos superiores a 100 euros por ano (400 euros por mês) a 33%, ou de fato gostaria de colocar um teto de ganhos e adicionar escalões fiscais (chegar a 14 dos atuais 5) para que quem declare o rendimento máximo, ou seja, 33 euros por mês, pague 90% dos impostos. O dirigente da "La France insoumise", licenciado em filosofia, também quer tributar os franceses residentes no estrangeiro: no caso dos desportistas, também já disse que, caso contrário, não vestirão mais as camisolas das selecções transalpinas. Seu pacote também inclui o aumento do salário mínimo (SMIC) dos atuais 1.150 euros líquidos para 1.300, e a extinção do Senado. No entanto, pelas últimas sondagens parece que o candidato de extrema-esquerda, que surpreendeu ao superar por consenso o candidato oficial do Partido Socialista Benoit Hamon, é o que menos se credita por chegar à segunda volta.

- AS CANETAS

O líder da Frente Nacional, muito favorecido no início da campanha eleitoral, ela definitivamente foi sugada para a briga, mas ainda é difícil pensar que ela pelo menos não chegará à cédula, também na esteira dos últimos ataques terroristas em Paris. Le Pen propõe um programa marcadamente populista e antieuropeu: quer baixar – como Mélenchon – a idade de aposentadoria para 60 (dos atuais 62), políticas sociais de reserva (a contribuição solidária para os mais pobres, deficientes e a atribuição de habitação social) apenas para cidadãos franceses, abolir o ius soli e reforçar os controles de fronteira e a concessão do direito de asilo, abolir Schengen e o PAC (políticas agrícolas comuns) para retornar a uma política agrícola nacional. Mas acima de tudo, a filha da arte (seu pai Jean-Marie, agora com quase 90 anos, alcançou uma votação histórica em 2002, perdendo então para Chirac com míseros 17% no segundo turno) espera um retorno ao franco e se eleito irá propor um referendo para a saída da União Europeia.

- ENCHER

Por fim, no grupo de liderança está François Fillon, ex-primeiro-ministro durante a presidência de Sarkozy e sob fogo há meses para os processos judiciais relativos às atribuições fictícias atribuídas a sua esposa e filhos: o Penélopegate, no entanto, não impede o candidato gaullista de permanecer no jogo. Fillon é moderadamente europeísta, mas sobretudo o candidato mais liberal, aquele que propõe as mudanças mais drásticas na frente trabalhista e nas políticas sociais em prol da redução dos gastos públicos: desde o corte de meio milhão de funcionários públicos até a elevação da idade de aposentadoria aos 65 anos.

Entre os candidatos elegíveis, Fillon por exemplo, é o único que gostaria de aumentar o IVA, abolir o imposto solidário das grandes fortunas (imposto que atinge 340 mil contribuintes com renda superior a 1,3 milhão, e que rende 5,2 bilhões por ano aos cofres do Estado), e ainda para tornar a já criticada Loi Travail ainda mais favorável aos empregadores. O candidato republicano também sugere o adeus à histórica lei das 35 horas, a menor jornada semanal de trabalho da Europa e que Mélenchon gostaria até de reduzir para 32: Fillon sugere deixar para acordos entre o trabalhador e a empresa.

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