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De Amato a Letta, os governos nascem na Scuola Superiore Sant'Anna: os segredos de seu sucesso

ENTREVISTA COM O PROFESSOR RICCARDO VARALDO – O ex-presidente revela os segredos que fizeram da Scuola Superiore Sant'Anna de Pisa o laboratório da classe dominante e do governo (do primeiro-ministro Enrico Letta à ministra universitária Maria Chiara Carrozza): dupla governança, forte seleção meritocrática e universidade residencial e colegiada

De Amato a Letta, os governos nascem na Scuola Superiore Sant'Anna: os segredos de seu sucesso

Há quem, desde o início, tenha chamado o governo de Letta de "o governo de Sant'Anna". E o semanário L'Espresso acaba de dedicar um extenso artigo ao triunfo da Scuola Superiore Sant'Anna e seu famoso Colégio, intitulando-o “Pisa caput mundi”. De fato, para Sant'Anna o resultado do início desta atormentada legislatura foi surpreendente: Enrico Letta, de Pisa e ex-aluno de Sant'Anna, presidente do Conselho e Maria Chiara Carrozza, professora de bioengenharia industrial e reitora de Sant'Anna Anna nova Ministra da Universidade e Pesquisa. Quem sabe o que teria acontecido se outra figura importante de Sant'Anna como Giuliano Amato tivesse se tornado presidente da República. "A nomeação de Letta como primeira-ministra e de Carrozza como ministra é uma espécie de reconhecimento da excelência de Sant'Anna e do que ela representa no cenário italiano", comenta Riccardo Varaldo, distinto economista e ex-presidente da Escola, com satisfação Superior Sant'Anna. Não é a primeira vez que isso acontece, porque já no passado pelo menos uma dezena de ministros saíram desse extraordinário laboratório da classe dominante que é Sant'Anna: do próprio Amato a Antonio Maccanico e Sabino Cassese sem falar em Paolo Emilio Taviani, Ferrari Aggradi e Pieraccini nos distantes anos sessenta. “No entanto – acrescenta Varaldo – as novidades não são apenas a nomeação de um primeiro-ministro e de um ministro que vêm das nossas fileiras mas de outros dois: pela primeira vez acaba a hegemonia da jurisprudência e não é por acaso que as duas personalidades do governo que aqueles quem vem de Sant'Anna vem da ciência política (Letta) e da ciência tecnológica (Carrozza). Mas depois – e isso é uma novidade absoluta – há igualdade de gênero já que pela primeira vez o Sant'Anna oferece ao governo uma mulher, de grande preparo. Também por estes aspectos significa que a Escola está perfeitamente alinhada com os tempos”.

Mas qual é a fórmula mágica que faz da Scuola Superiore Sant'Anna, que tem apenas 25 anos, uma instituição universitária autônoma e seu Colégio, nascido em 1920, o campo de treinamento da classe dominante italiana? Veja o que Varaldo, que há muito tempo é presidente do Sant'Anna, responde ao FIRSTonline.

FIRSTonline – Professor Varaldo, você pode nos contar o segredo do sucesso do Sant'Anna?

VARALDO – Acho que os ingredientes do sucesso da Scuola Superiore Sant'Anna de Pisa, que a tornam única na Itália, são pelo menos três: governança, seleção e colégio. Em primeiro lugar, entre universidades e escolas secundárias, Sant'Anna é a única instituição pública na Itália a ter uma dupla governança: este modelo de governo, que introduzimos em 2004, garante um diálogo frutífero entre o Presidente, que tem mais autoridade institucional e tarefas representativas, e o Reitor, que gere a atividade académica, e sobretudo oferece a possibilidade de conjugar a máxima autonomia com a máxima abertura ao exterior e à internacionalização, sem entrincheiramentos e sem tentações autorreferenciais. Não é por acaso que esse tipo de governança é típico das melhores universidades dos Estados Unidos e de outros países, inclusive da China, e que na Itália é encontrado em Bocconi e Luiss, duas instituições universitárias de excelência.

FIRSTonline – Mas depois há outros elementos que diferenciam o Sant'Anna e que contribuem para a sua afirmação: você mencionou outros dois.

VARALDO – Exatamente. A primeira diz respeito à seleção muito forte na entrada tanto para cursos de graduação quanto para mestrados, doutorados de pesquisa e qualquer outro tipo de curso. Considere que de mil candidatos, não mais do que 50 ou 60 calouros são aceitos anualmente após testes muito exigentes: estamos em níveis de seletividade mais altos do que Harvard. Mas isso facilita nossa tarefa: contando com uma comunidade de alunos excelentes e altamente motivados, já estamos na metade do caminho e é mais fácil conscientizar e valorizar talentos reais do que ministrar cursos indiscriminadamente. Mas há um terceiro trunfo que Sant'Anna oferece.

FIRSTonline – Qual, professor?

VARALDO – A peculiaridade, por assim dizer, do processo educacional Sant'Anna é o fato de ser uma universidade residencial. Os alunos, em sua maioria não são de Pisa, residem no Collegi Sant'Anna – com uma dotação total de trezentos leitos – vivem em comum e vivem sua formação e crescimento educacional colegialmente. O Colégio é um elemento fundamental na formação dos jovens porque os obriga a confrontar-se e os impele ao diálogo, recebendo todas as vantagens da contaminação do e entre saberes. Mas, acima de tudo, a vida colegial favorece a abertura mental e desenvolve as habilidades de liderança.

FIRSTonline – Talvez não seja por acaso que o primeiro-ministro Enrico Letta, um genuíno aluno de Sant'Anna, costuma usar a palavra “Juntos”.

VARALDO – Acho que é também fruto de sua experiência formativa em Sant'Anna, assim como a meu ver é também o fato de ter batizado o seu de "Governo a serviço da Pátria". Quem estuda, ensina e trabalha em Sant'Anna sente um forte senso de responsabilidade social que os leva a entender o que o país espera de Sant'Anna como um centro de treinamento de excelência. Mas, deixe-me dizer, que Sant'Anna tem outras peculiaridades, além das principais que acabamos de listar, que reforçam os alicerces de seu sucesso. A primeira delas é a capacidade não só de fazer pesquisa, mas de saber como aplicá-la. Sant'Anna é uma extraordinária fábrica de aprendizagem e conhecimento, mas também de capacidade de utilização do conhecimento nos vários domínios das instituições, da sociedade, da economia e dos negócios. Vamos contra a tendência do país.

FIRSTonline – Em que sentido?

VARALDO – Uma comparação internacional é feita: a Itália está no topo na produção de publicações científicas, mas há anos está nos últimos lugares da Europa e do mundo avançado em inovação: ou seja, produz, mas não usa conhecimento científico. Pelo contrário, Sant'Anna produz conhecimento e o transforma em ideias, projetos e tecnologias inovadoras tanto por meio de colaborações em escala regional, nacional e internacional quanto pelo nascimento e fomento de start-ups, que aqui encontram terreno fértil. É por isso que quem se forma no Sant'Anna não recebe uma preparação abstrata, mas tem as ferramentas para saber se movimentar na sociedade e no campo do trabalho e das profissões.

FIRSTonline – O modelo de Sant'Anna é replicável em outras partes da Itália?

VARALDO – Em certas condições, penso que sim e de facto houve e há várias tentativas de imitação. Com certeza, estabelecemos o padrão e com a transformação iniciada em meados da década de 90 nos tornamos um modelo de referência para os novos colégios universitários e pós-universitários.

FIRSTonline – Uma das críticas que costuma ser feita ao francês Ena é o classismo: quem é filho de família humilde ou de imigrantes pode chegar a Sant'Anna?

VARALDO – Entra-se em Sant'Anna por mérito e não por riqueza e os que são filhos de famílias humildes mas têm qualidades comprovadas podem ser acolhidos e treinados gratuitamente dentro dele. Sempre pensamos em Sant'Anna como um extraordinário veículo de mobilidade social e como um ambiente capaz de abrir caminhos de excelência para quem tem qualidades para se estabelecer. Mas os nossos tempos lançam novos desafios e a inclusão dos filhos de imigrantes é certamente um dos mais importantes. Aqui, porém, não podemos começar pela retaguarda: a exclusão de jovens imigrantes valiosos não se dá apenas no nível universitário, mas primeiro, no ensino fundamental ou no ensino médio: é aí que teremos que impactar, lançando novos programas de educação e abrindo novas fronteiras.

FIRSTonline – Também pode ser uma sugestão para o governo de Letta.

VARALDO –  Quem sabe Enrico Letta e o ministro Carrozza também encontrem o caminho para disseminar o espírito de excelência e inclusão social de Sant'Anna, partindo dos níveis mais baixos de nosso sistema de formação, para depois poder continuar a jornada no nível universitário, mesmo especialmente com o nosso exemplo. Como economista, preocupado com o destino futuro do país, espero firmemente que possamos caminhar nessa direção. Basta recordar que a Itália, dada a sua estrutura e dinâmica demográfica, vai gradualmente ver diminuir o peso do grupo juvenil, pelo que, na ausência de mecanismos eficazes de integração, como bem observou Ignazio Visco, "a dotação de capital humano do nosso país corre o risco de ser ainda mais penalizado pelo rápido aumento da proporção de jovens de origem estrangeira que, com base nas projeções demográficas do Istat, é estimado em mais de 30% em 2050”.

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