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Cassação, derivados e órgãos públicos: uma decisão que vai causar discussão

A recente decisão do Supremo Tribunal sobre os derivados subscritos pelas autarquias exclui os tipicamente especulativos e obriga à utilização de cenários probabilísticos

Cassação, derivados e órgãos públicos: uma decisão que vai causar discussão

O que é certo é que este decisão do Supremo Tribunal de Cassação vai suscitar muita discussão, ainda que para os efeitos desdobrados a nível concreto, numa primeira análise, permaneçam margens de incerteza dimensional.

Trata-se aqui do recente Acórdão n.8770 das Seções Civis Unidas que interveio sobre a delicada questão da contratos de derivados assinados por entidades públicas e locais, estabelecendo alguns princípios de particular interesse que vão além da disputa específica, que desde 2003 opõe o Município de Cattolica e o Banca Nazionale del Lavoro.

A legitimidade dos contratos de derivativos exclusivamente para quem tem função de hedge, excluindo os outros tipicamente especulativos, a necessidade de recurso a cenários probabilísticos, no âmbito de uma divulgação mais completa e adequada a prestar ao cliente pelo banco, são apenas alguns dos pilares deste acórdão sobre o qual se recolheram as primeiras importantes apreciações de juristas e economistas em o curso de um seminário aprofundado, recentemente organizado pela Faculdade de Economia da Universidade Sapienza de Roma.

para Renato Finocchi Ghersi, Advogado Geral da Corte de Cassação, que no julgamento apresentou as razões aceitas na decisão da Corte, é "muito importante na parte inicial da sentença o descrição e classificação dos contratos de swap em um contexto geral, identificando sua causa legal a esse respeito. Assim, oferece-se uma reflexão geral para a classificação destes contratos ainda que celebrados entre particulares, e indiretamente a sua inadequação com respeito aos princípios da contabilidade pública". Em segundo lugar, de forma muito realista, a sentença exige, "mesmo nos casos em que os contratos de swap tenham função de cobertura e não sejam especulativos, informações suficientes do intermediário ao órgão público com referência aos riscos, às condições de mercado e a todos os os demais parâmetros indicados na sentença”.

Seguindo esse caminho argumentativo, a sentença – acrescenta Finocchi Ghersi – “não se limita a afirmar que a prestação de um adiantamento, associada à permuta, constitui um empréstimo, e, portanto, um endividamento do ente público. , a meu ver, bastaria a reiteração desse princípio para afirmar a nulidade do contrato, pois é incontestável que esse empréstimo foi utilizado para custeio, em violação ao princípio constitucional previsto no art. 119 da Constituição e da legislação de execução”. Este é, conclui Finocchi Ghersi, "um aspecto particularmente apreciável desta frase, também em termos de leitura das finanças públicas italianas, num momento histórico em que o país mais do que nunca deve apresentar-se na Europa com uma estrutura institucional que garanta transparência e fiabilidade ”.

Até para o advogado Andrea Tucci, Professor de Direito Econômico da Universidade “a decisão do STF é amplamente compartilhada; ainda que nem sempre persuasiva e, em alguns aspectos, até enganosa, na dimensão nomofilática de orientação da jurisprudência e dos associados, a motivação surge, sobretudo nesse tipo de parte geral qual a Corte decidiu preceder a própria decisão do caso concreto".

Uma nota vem, então movida por Tucci em parte especial da sentença, dedicada ao “tema escorregadio da (mensuração) do valor dos serviços e seus reflexos na determinação/determinabilidade do objeto do contrato, bem como o não menos traiçoeiro problema da qualificação jurídica do chamado de antemão, sobretudo pelas possíveis repercussões dos acórdãos nele contidos, muito para além do âmbito do contencioso entre intermediários e entidades locais".

Por fim, surgem algumas perplexidades"a escassa atenção dedicada no acórdão à regulamentação dos serviços de investimento, aplicável à negociação de instrumentos financeiros derivados, no âmbito da enunciação de regras e princípios, aparentemente destinados a encontrar aplicação também nas relações entre intermediários e clientes particulares; em proveito de uma argumentação centrada principalmente em categorias gerais e construções dogmáticas, prestando pouca atenção mesmo aos precedentes da jurisprudência de legitimidade”.

Voltando-se para o lado dos economistas, Marcelo Minena, atual Diretor da Agência de Alfândegas e Monopólios, mas com passagem como economista no Consob, onde havia dedicado amplo espaço para análises aprofundadas ao tema de cenários probabilísticos, manifesta sua satisfação, definindo esta frase como "um pronunciamento epocal que finalmente reconhece que sem um acordo entre as partes sobre a contingência, ou seja, sobre os riscos do derivativo, o contrato é nulo”. E acrescenta: “A Cassação estabeleceu a jurisprudência segundo a qual os organismos públicos podem celebrar derivados apenas para efeitos de cobertura e apenas depois de terem recebido informação do banco sobre o valor de mercado, cenários probabilísticos e custos ocultos”. Partindo do pressuposto de que o valor de mercado (marcação a mercado) é apenas um número que pouco comunica sobre a consistência do perigo, conclui Minenna, afirmando que "é fundamental ter uma estimativa objetiva ex ante da probabilidade de ganho ou perda e o tamanho esperado de ganhos e perdas”. Desta forma, “estabelece-se um precedente que se destina a tornar-se uma pedra angular em matéria de medição e representação, estabelecendo que os cenários probabilísticos são uma condição sine qua non para a validade dos contratos”.

De opinião bastante diferente é outro economista, Paulo Cucurachi, Professor de Técnica de Intermediários Financeiros na Universidade de Salento, que afirma peremptoriamente: "A sentença é largamente insatisfatória pelas conclusões a que chega com as quais não concordo mas sobretudo pelo método seguido para afirmar estes princípios". De fato, para Cucurachi “a sentença está repleta de contradições e erros técnicos, sendo totalmente desprovida de contextualização do fenômeno com relação ao período histórico em que a maioria dos contratos de derivativos foram firmados por órgãos públicos”. A este propósito, refira-se que, para além da “frequente referência a noções codificadas apenas após a transposição da Mifid1, não se tem em conta a evolução das taxas de juro, marcada por uma dinâmica totalmente inesperada que nenhum modelo previu”.

Tendo criticado a legitimidade limitada pela sentença apenas aos contratos de hedge e reiterado que, de qualquer forma, todo instrumento financeiro carrega em si uma dose de incerteza, Cucurachi finalmente menciona três notas específicas que podem ser movidas para esta frase.

Primeiro. “Nos contratos de cobertura mais tradicionais (por exemplo IRS-Interes Rate Swap) não existe risco racional a avaliar, uma vez que o objetivo a atingir é precisamente o de tornar o custo da dívida independente do risco de taxas de juro de mercado . Tampouco se pode imaginar que em contrato de hedge – o único que pareceria admissível para a sentença – se possa falar em conveniência econômica, mas simplesmente em escolhas condizentes com a aversão ao risco da instituição”.

Segundo. “Também não é verdade que os bancos estão em conflito estrutural de interesses com o ente público, pois a margem gerada por essas operações não decorre do tamanho dos fluxos periódicos, mas da diferença entre o contrato negociado com o órgão local organismo e aquele negociado no mercado interbancário, justamente para eliminar pela raiz qualquer hipótese de desalinhamento entre os interesses dos clientes e os interesses do banco”.

Terceiro. Também deve ser explorado o aspecto do upfront, como forma de dívida a ser atribuída à operação de derivativos sem se preocupar com sua origem. Em muitas operações de refinanciamento, a dívida não é gerada pela abertura de um novo contrato, mas sim pelo fechamento do anterior e, portanto, não se pode dar por certo que deva ser considerada como dívida vinculada à nova operação de swap” . 

Concluindo a rápida revisão de opiniões positivas qualificadas, mas também de críticas ligadas a uma análise inicial desta sentença da Cassação, não se pode deixar de concordar com o que foi sublinhado por Dominic Siclari, Professor Catedrático de Economia e Direito dos Mercados Financeiros na Universidade Sapienza de Roma, quando defende que "esta frase representa, no entanto, um passo em frente na matéria em questão"; destacando em todo o caso "a necessidade de coordenação, cuja necessidade se faz sentir cada vez mais, entre as diferentes orientações jurisprudenciais que têm surgido ao longo dos últimos anos e, em particular, entre as do juiz ordinário e as do juiz administrativo, também tendo em conta as numerosas decisões emitidas pelo Conselho de Estado".

Por fim, certamente não menos importante é o outro aspecto referido por Siclari quanto à necessidade de continuar no "árduo e complexo caminho que visa atingir o ambicioso objetivo de dar a um mercado em constante evolução, também pela inovação tecnológica disruptiva, plena certeza de regras para proteger a confiança dos operadores e seu bom funcionamento geral”. Um desafio certamente aliciante e do qual outros capítulos interpretativos serão escritos num futuro próximo.

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