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UE-Mercosul, porque o acordo corre o risco de desmoronar na última milha: Milei deslocou o eixo e os EUA e a China remam contra

A Europa tem negociado um acordo de comércio livre com a América do Sul há 20 anos, que finalmente parecia estar a dar frutos. Mas a eleição de Milei, as ambiguidades de Lula e as dúvidas dos próprios Macron e Scholz explodiram mais uma vez tudo

UE-Mercosul, porque o acordo corre o risco de desmoronar na última milha: Milei deslocou o eixo e os EUA e a China remam contra

Enquanto oEuropa dá passos em frente para renegociar as suas regras internas, começando pelo Pacto de Estabilidade, outro dossiê está em alta nestes dias: o do histórico acordo de comércio livre com o Mercosul, isto é, com a união econômica da América do Sul. Um acordo que está em discussão há 20 anos, que envolve quase mil milhões de pessoas e 1% do PIB global, e que finalmente parecia estar na reta final antes de mais um revés. Bruxelas insiste oficialmente que, por sua vez, “o acordo será fechado o mais rapidamente possível”, mas na realidade há um verdadeiro jogo de xadrez em curso com o presidente francês Emmanuel Macron que desde a COP28 no Dubai fez saber que estava perplexo, senão contra, enquanto em Berlim o chanceler alemão Olaf Scholz recebeu o presidente brasileiro Lula e ambos estavam pressionando pela assinatura. Assinatura que a certa altura estava no ar: na última quinta-feira, na cúpula do Mercosul no Rio de Janeiro, a última presidida por Lula (a partir de janeiro será a vez do Paraguai), eram inicialmente esperados Ursula Von der Leyen e Valdis Dombrovskis, provavelmente para fazer o anúncio oficial. Em vez disso, nada mais foi feito a respeito: o Presidente da Comissão e o Comissário responsável pelo Comércio permaneceram em casa.

UE-Mercosul: a Europa atrasa o acordo, mas a América do Sul também está dividida internamente

A verdade é que a própria América do Sul é secreta e dividida. Basta dizer que por um lado Lula está sendo uma "pomba" e gostaria de encerrar o assunto aproveitando a presidência rotativa do Mercosul, por outro lado levantou muitas dúvidas sobre um acordo que alguns membros do seu partido e do seu governo parece uma armadilha, a ponto de dizer, durante a cimeira do Rio, que “a Europa tratou-nos como países inferiores, quase diria como países colonizados”. O acordo seria portanto adequado, na opinião de muitos economistas e da imprensa sul-americana, quase apenas para a Europa, que teria assim acesso ágil à riquíssima oferta de matérias-primas, incluindo aquelas decisivas para a transição energética como o lítio e metais raros, conseguindo não ficar isolados do duopólio dos EUA e da China, que há muito competem pela supremacia comercial na área latino-americana. Para a União Europeia, o acordo com o Mercosul seria o segundo acordo comercial mais importante depois do assinado em 2019 com o Japão, e Romano Prodi também falou sobre o tema nos últimos dias, que veio de Buenos Aires para um evento ligado à Universidade de Bolonha afirmou: “Há uma falta de negociação sistémica e global entre a Europa e a América Latina. Com as eleições sempre próximas, os governos não tomam decisões de longo prazo”, referindo-se ao voto argentino que confirmou a vitória do forasteiro Javier Milei, um dos motivos que impediram a assinatura esperada no Rio.

. Mercosul: eleição de Milei mudou o rumo

Sem dúvida, a eleição de Milei deslocou a balança a favor de dizer não ao acordo, mas nos meses anteriores o Uruguai já tinha agido por conta própria ao assinar um importante acordo bilateral com a China. E o próprio Brasil, embora reconhecendo uma melhoria no último texto apresentado este ano por Von der Leyen, nunca ficou totalmente convencido. Se do lado europeu as dúvidas são maioritariamente sobre a reciprocidade de regras solicitadas por Scholz e sobretudo por Macron ("Um acordo não é possível se não respeitarem os acordos de Paris e se não respeitarem as mesmas restrições ambientais e sanitárias que impomos aos nossos produtores"), do lado sul-americano a questão também é outra: a das chamadas quotas nacionais, ou seja, a possibilidade de bloquear uma parte dos recursos para reindustrializar a região, tornando-nos assim menos dependentes em produtos tecnológicos importados da Europa. Para ultrapassar este obstáculo, bem como o das sanções aos produtos obtidos a partir da desflorestação da Amazónia (acrescentadas com uma carta lateral, ou seja, um texto anexo pretendido por Bruxelas), há quem defenda que o acordo poderia ser dividido, referindo-se até o momento a ser definido para a discussão dos aspectos não compartilhados. No que diz respeito às sanções verdes, foi o Brasil que foi particularmente desagradado, tendo falado numa “decisão unilateral”, que em tão pouco tempo prejudicaria o agronegócio, que sustenta a economia do país.

A Comissão procurou então chegar a um acordo, recordando que, na realidade, a Europa já desencoraja a importação de matérias-primas ou produtos acabados contrários à protecção ambiental, e que a partir de 2024 estas sanções - já em vigor, independentemente do acordo global – seria simplesmente alargado a outras categorias de bens. Esta é a razão das palavras de Macron: se por um lado esta fórmula pode penalizar as exportações de países como o Brasil, por outro lado as empresas europeias pedem que os paradigmas verdes sejam respeitados por todos, caso contrário o jogo não se joga no mesmo campo e com as mesmas regras. Na América do Sul, porém, há também quem conteste a própria base do acordo, ou seja, libertar cerca de 90% dos produtos que entram e saem da Europa e da América do Sul de direitos comerciais: alguns economistas salientam que o continente do hemisfério sul actualmente aplica-se, em média, muito mais do que os europeus e, portanto, perderia mais se os eliminasse. O jogo é totalmente aberto e, no fundo, competem contra os EUA e – acima de tudo – a China.

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