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Conflito de interesses, legislação para mudar

Um livro de Emiliano Di Carlo, professor de Economia Empresarial da Universidade Tor Vergata de Roma, traz de volta à tona a regulação do conflito de interesses, um fenômeno elusivo e difícil de prevenir, mas muitas vezes intimamente ligado à corrupção

Conflito de interesses, legislação para mudar

Que o conflito de interesse não é apenas um tema sugestivo de natureza acadêmica ou livresca, os casos concretos ocasionalmente trazidos às manchetes atestam isso. Por último, em ordem cronológica, a relativa ao Presidente da Autoridade do Sistema Portuário do Mar Adriático Oriental de Trieste, declarado cassado e afastado de suas funções na sequência da intervenção da Autoridade Nacional Anticorrupção por alegada incompatibilidade com o cargo de Presidente da subsidiária Terminal de Passageiros de Trieste. O caso - que suscitou grande alvoroço, não só a nível local, mas também preocupações não secundárias pelo impacto de natureza económico-social, uma vez que todos os actos deliberados e contratos estipulados pelo Presidente da Autoridade deviam ser considerados nulos e nulo - foi então concluído perante o Tribunal Administrativo Regional do Lácio com uma decisão que anulou a disposição da Anac e reintegrou o Presidente da Autoridade Portuária nas suas funções.

É legítimo, pois, questionar-se, também à luz destes episódios, se o conflito de interesses, entendido como condição jurídica que ocorre quando uma elevada responsabilidade decisória é confiada a um sujeito que tem interesses pessoais e profissionais conflitantes com o imparcialidade exigida por tal responsabilidade, tem na Itália regulação regulatória adequada e se eles são esperados ferramentas adequadas para preveni-lo e combatê-lo.

A resposta à dupla pergunta é atualmente negativa. De fato, a única fonte de direito que rege o conflito de interesses em nosso ordenamento jurídico é a Lei 215 de 2004 "Regulamento sobre a resolução de conflitos de interesses", o chamado Lei Frattini, que apenas prevê hipóteses de incompatibilidade específica para os titulares de alguns cargos públicos.

A realidade económica da nossa sociedade tem demonstrado ao longo destes anos a inadequação desta regra no que diz respeito a casos concretos, estimulando, por diversas vezes, a reconsideração do tema em uma perspectiva mais ampla e condizente com o desenvolvimento econômico e social do país.

Neste contexto, as opiniões sobre o tema do conflito de interesses que surgiram em um recente debate, organizado na Universidade Tor Vergata de Roma por ocasião da apresentação do livro “Conflito de interesses em empresas” por Emiliano DiCarlo, professor de Economia Empresarial naquela Universidade. Um volume que certamente ultrapassa os simples manuais académicos pela exaustividade e profundidade com que são abordados os diversos aspetos jurídicos, económicos, psicológicos, comportamentais, morais e éticos suscitados por esta temática. Portanto, não é por acaso que para Di Carlo a pergunta central a se fazer ao abordar esse tema é: conflito de interesses com quem?

Uma questão que, para ser satisfeita, lança luz sobre a nova dinâmica que marca a diferença entre o atual conflito de interesses e a dicotomia entre administração e acionistas de uma empresa, delineada por Berle e Means na década de XNUMX, projetando o debate em uma área em que a continuidade e a sustentabilidade dos negócios são cada vez mais importantes como referências.

para Augusto Aponte, que foi Auditor Geral do Banco da Itália, o conflito de interesses deve ser reportado na dimensão da função e atribuições do Responsável pela Prevenção da Corrupção em uma Instituição Pública. Numa análise que identifica o trade-off entre instrumentos legais e instrumentos éticos para a gestão do fenómeno, a referência à figura do bônus paterfamilias, como um possível ponto de convergência dos dois aspectos.

Outro elemento que emerge da análise de Aponte e que a torna particularmente complexa é a natureza indescritível do fenômeno do conflito de interesses, tanto consigo mesmo, quanto não o percebe, ou não o admite; quer para com o outro, entendido como comunidade, carecendo de uma sensibilidade específica e registando uma preocupante dispersão de valores; e, finalmente, com relação ao ordenamento jurídico.

Uma linha de pensamento implicitamente seguida também por Fábio DiVizio, Promotor Adjunto de Florença, quando afirma que “o conflito de interesses não é contraponível, não pelo menos de forma rápida e eficaz quando isso acontece; mas só depois, quando emergirem os sinais de integridade comportamental comprometida”. Neste contexto “a tutela penal revela vícios crónicos de ineficácia, limitando-se a intervenções realizadas de forma episódica, pontual e fragmentária”.

De pé a escassez de ferramentas fornecidas pelo direito societário (art.2631 cc) e direito penal bancário (art.136 da TUB) e reconhecendo algumas melhorias introduzidas, como no domínio da responsabilidade administrativa das entidades ou reformas sobre a corrupção privada, as salvaguardas previstas no nosso ordenamento jurídico, com vista a contrariar o conflito de interesse, são julgados por Di Vizio "substancialmente complementares e funcionalmente subsidiários". Por isso, é necessária uma mudança de ritmo, também à luz do custo social da corrupção dos poderes privados, dos custos da instabilidade bancária e do peso na fiscalidade geral, para uma regulação mais eficaz. Em um cenário, portanto, caracterizado por uma nova cultura empresarial, reavaliada em sua função social e amparada por um novo estatuto de controles internos e administrativos.

A referência feita anteriormente à corrupção abre caminho para o porquê de a questão do conflito de interesses ser interceptada e amplamente tratada no contexto daquela experiência acadêmica, agora em sua quinta edição, que é o Tor Vergata Anti-Corruption Masters. Ele sublinha Daniela Condó, que é seu Assistente de Programa, acolhendo uma visão do conflito de interesses “certamente mais ampla e multidisciplinar no repensar do capitalismo moderno”. Concordando com o pensamento do economista desenvolvimentista britânico, Paul Collier, para Condò "só a ética pode salvar o capitalismo, claro que uma ética sem camuflagem e hipocrisia aliada a uma renovada moralidade pública". O objetivo declarado deve, portanto, ser o de “construir um novo financiamento, estabelecer um novo pacto social para o bem comum e, consequentemente, privilegiar os aspectos de impacto na sociedade e no meio ambiente”.

Também Gaetano Scazzeri, chefe da Unidade Anticorrupção da Guardia di Finanza, reafirma a proximidade dos dois fenômenos, conflito de interesses e corrupção: “Certamente são diferentes manifestações do mesmo fenômeno; com uma comparação sugestiva, ligada aos acontecimentos do Covid '19, a corrupção é a doença, o conflito de interesses o seu vírus". Uma visão que leva Scazzeri a enquadrar o conflito de interesses com os seus efeitos perniciosos no equilíbrio do mercado de trabalho, na eficácia e eficiência global do sistema económico, sobretudo do ponto de vista da imparcialidade da ação administrativa. E é precisamente neste contexto específico que devemos recordar o que tem vindo a ser implementado por este corpo policial especializado com as ferramentas ao seu dispor para prevenir antecipadamente que o conflito de interesses conduza a comportamentos de má administração ou em ações criminalmente relevantes. Uma atividade complexa e variada, exercida por iniciativa própria ou mesmo a pedido da Anac, da Inspetoria da Função Pública e do Tribunal de Contas para os aspectos relacionados ao dano tributário.

Quanto ao aspectos econômicos, ainda que sob uma perspectiva particular, Maurice Bufi, presidente cessante da Anasf, Associação Nacional dos Promotores Financeiros, acredita que a questão do conflito de interesses faz parte do prestação do serviço de assessoria financeira prestado de forma independente e não independente. “O cliente paga um preço pela prestação de um serviço personalizado, por uma avaliação da idoneidade dos instrumentos financeiros colocados, pelo acesso a uma vasta gama de produtos incluindo de terceiros, pela assistência pós-venda, pelo acompanhamento contínuo da sua carteira. Daí a crença sustentada por Bufi de que “a presença destes requisitos, atribuíveis aos princípios de qualidade de serviço Conformidade Mifid, torna praticável administrar adequadamente o conflito de interesses no melhor interesse do cliente”.

Em última análise, da rápida revisão dessas opiniões qualificadas emerge o ponto firme do a necessidade urgente da Itália de um quadro regulamentar mais adequado para o conflito de interesses e que remete diretamente, como confirma Di Carlo, a um conceito de interesse primário da empresa pública ou privada. Interesse entendido como superior a todos os demais, inclusive os acionistas, com uma definição que é fundamental para disseminar uma nova ética empresarial. Por fim, um interesse que, ao colocar e isolar o conflito de interesses numa posição claramente antagónica, contribui efectivamente para a afirmação do bem comum, motor indispensável à recuperação económica e social do nosso país.

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