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Tumblr e além: histórias de fracassos nas mídias sociais

Do MySpace ao Vine, do Second Life ao Google+ via Orkut, Friendster, Ning e Ping: aqui está uma resenha dos tropeços mais sensacionais da história das redes sociais

Tumblr e além: histórias de fracassos nas mídias sociais

O Facebook é uma rede de alta tensão com curtos-circuitos frequentes e constrangedores. A mais recente diz respeito à decisão de manter os postos incendiários de Trump. Uma decisão que embaraçou seriamente alguns de seus principais anunciantes — como Unilever, Coca Cola, Ford, Microsoft Pfizer, Starbucks — que provocou um embargo sem precedentes na história da indústria publicitária.

E o Facebook certamente não é a única rede social a ter entrado em curto-circuito. Para explicar como as redes sociais acabaram por matar a comunicação existe agora um livro que acaba de sair (Guerini Próxima e goWare para online) que leva precisamente esse título, Como as redes sociais mataram a comunicação. Porque, como esclarecem os dois autores Guido Bosticco, Giovanni Battista Magnoli Bocchi e os diversos colaboradores, se é verdade que o mercado agora vive das redes sociais, também é verdade que a comunicação, em busca desesperada de viralidade, deu errado nas redes sociais .

GIGANTES DE PÉS DE ARGILO

Os gigantes da web podem influenciar a opinião mundial e a própria conversa pública mais do que as próprias instituições, mas seu modelo repousa sobre alicerces frágeis. São gigantes com pés de barro. O público de massa que os mantém ativos tornou-se, sem sombra de dúvida, ingovernável, incontrolável e intemperante.

Ainda não há como remediar esse estado de coisas. Não sabemos se as próprias redes sociais têm de o fazer ou se deve ser a força da lei a repor a ordem. Ou se poderia surgir uma virada, como sugerem os autores deste belo livro, na própria fonte da comunicação. Ou seja, a partir das escolhas de empresas, organizações e instituições que com suas campanhas forram o modelo de negócio das redes sociais que tem como base a publicidade. Talvez o boicote ao Facebook seja um primeiro sinal de que algo realmente está acontecendo nesse sentido.

Se o fluxo de recursos para as redes sociais diminuir, se a atenção ao contexto aumentar na consciência dos anunciantes, se o aspecto ético começar a se tornar um componente do negócio publicitário, pode acontecer que a frequência da comunicação entre em curto-circuito nas redes sociais ser drasticamente reduzido.

DRAGÕES OU FILHOTES?

Afinal, as redes sociais não são aqueles dragões que às vezes aparecem, mas start-ups que são afetadas pela dinâmica do mercado, pelos gostos do público e pelo humor de investidores e clientes pagantes.

No trecho do livro, Como as redes sociais mataram a comunicação, que propomos a seguir, Guido Mariani repassa alguns dos mais marcantes tropeços e naufrágios de umaarmada de mídia social que parecia inafundável. Dizer que há esperança.

Boa leitura!


UM ESPAÇO DE NEGATIVIDADE

O Facebook, como todos os negócios colossais, é imponente e gigantesco demais para permitir uma consciência. É por isso que o sonho de uma comunidade global e progressista às vezes se transforma, e felizmente nem sempre, em uma terra de ninguém povoada por marionetes ocultos que agem com fins políticos, semeadores de ódio e profetas de teorias da conspiração e fake news.

Apesar de serem espaços habitados por milhões de indivíduos, as redes sociais correm o risco de se tornar, segundo aquela metáfora tão usada pelos americanos, um Câmara de eco, uma câmara de eco em que as mesmas vozes ressoam e se multiplicam e ganha quem gritar mais. Nesse espaço, negatividade, indignação, ressentimento ressoam mais e melhor.

Nesse mecanismo rodopiante que nunca para, a atualidade foi substituída pela viralidade, a capacidade da informação se espalhar em velocidade epidêmica.

As histórias são consumidas em ciclos, em surtos tão avassaladores quanto rápidos que trazem um tema à tona e depois o abandonam. A informação viral e o ciclo noticioso tornam-se assim o motor do debate público do momento e são capazes de moldar a política, a cultura e a sociedade.

SOCIAL E EPIDEMIA

A prova desse mecanismo nefasto ocorreu durante a epidemia, infelizmente não virtual, do Coronavírus que chocou o mundo e bloqueou a economia global. As pessoas relegadas à quarentena mais colossal da história da humanidade, graças às redes sociais, puderam manter contato, dialogar, criar unidade à distância.

Mas a nível comunicativo, numa das épocas mais trágicas desde a Segunda Guerra Mundial, as redes sociais foram o instrumento com que primeiro se diminuiu a gravidade do contágio e depois se tentou enterrá-lo com uma ironia que com o tempo com o tempo, ele apareceu cada vez mais fora do lugar. Eventualmente, eles se tornaram o veículo pelo qual estratégias inviáveis, terapias imaginárias, curas milagrosas se espalharam.

No campo da comunicação corporativa são inúmeros os casos de empresas que investem milhões em imagem e promoção e que cometem deslizes sensacionais e dolorosos para sua reputação e balanços.

OS PAVIMENTOS DA VELHA ECONOMIA

Em 2018, uma empresa alemã de eletrodomésticos bem estabelecida comemorou o dia 8 de março com a imagem de um grupo de mulheres sorridentes em torno de uma máquina de lavar e secar roupa e um slogan que dizia o seguinte: "Que as mulheres sempre se lembrem de representar o que elas tornam único" . Uma mensagem mais digna de um carrossel dos anos 60 do que de uma campanha para a era da web. Obviamente não foi recebido com entusiasmo pelo público.

Pouco tempo depois, a Lookheed Martin pensou bem por ocasião do "Dia Mundial da Fotografia" em convidar o público a postar uma foto de seus produtos nas redes sociais. A empresa, uma das maiores fabricantes multinacionais de armas, foi inundada com fotos de armas, incluindo um fragmento de uma das bombas que produziram e que destruiu uma escola no Iêmen. Mas as lesões também costumam acontecer com aqueles que sempre fizeram malabarismos bem na galáxia social.

… E ESSES UM POUCO MELHOR

Aconteceu em 2017 com a marca de beleza Dove, parte da multinacional Unilever, que após anos lançando campanhas online extremamente bem-sucedidas e populares com o slogan “Real Beauty” se deparou com um desastre de comunicação espetacular e caro com um anúncio de três segundos no Facebook.

Um produto de higiene justapunha imagens em sequência que não precisavam estar relacionadas entre si, mas que se fundiam e davam a clara impressão de que uma negra foi transformada ou pior "limpa", graças ao produto, em branco mulher. Anos de campanhas promocionais de sucesso foram pulverizados em poucos dias para um vídeo que durou menos de um suspiro.

CHINELOS CULTURAIS

Os estilistas Domenico Dolce e Stefano Gabbana sabem algo sobre isso. A campanha de mídia social de sua marca em 2018 apresentava uma chinesa estúpida tentando comer comida italiana desajeitadamente com pauzinhos. A intenção era, talvez, criar um esquete divertido que justapusesse os estereótipos italianos aos orientais.

Fosse qual fosse o objetivo, o que contava era a reação do público, que, principalmente na China, foi furiosa. Em um país onde a pior coisa que pode acontecer a uma pessoa é perder a cara, a menina desajeitada e humilhada que enfrentou a pizza com dois palitos foi vista como uma zombaria de mau gosto de toda uma população.

A casa de moda sofreu uma queda significativa nas vendas na China, país que hoje responde por um terço de todo o negócio de artigos de luxo.

OS FRACOS DA NOVA ECONOMIA

Mas se o mercado agora vive das redes sociais, as redes sociais são mais fortes que o próprio mercado? Os grandes nomes da rede são onipotentes ou também podem sofrer crises fatais? Embora os gigantes da web hoje pareçam imortais, a jovem história da web e das mídias sociais oferece inúmeros casos de startups brilhantes com perspectivas excepcionais que permaneceram uma ilusão e parábolas de sucesso que se transformaram em fracassos caros e catastróficos.

MYSPACE

No verão de 15 anos atrás, em Beverly Hills, o MySpace foi fundado por dois jovens empresários Tom Anderson e Chris DeWolfe. Permitia o compartilhamento de fotos, postagens, músicas. Redefiniu os padrões das redes sociais. Dois anos depois de seu nascimento, foi comprado pela News Corporation de Rupert Murdoch por 580 milhões de dólares. Parecia o negócio do ano, senão do século.

Escolhendo a música como atração principal, em junho de 2006 tornou-se o site mais visitado dos Estados Unidos, superando até o Google. Em 2007, foi avaliado em US$ 12 bilhões. Em uma era antes dos smartphones, ultrapassou 100 milhões de usuários mensais. Em 2008, faturou US$ 800 milhões.

Alguns meses depois já era água debaixo da ponte. O Facebook, com novas funcionalidades e gráficos mais funcionais e atraentes, ultrapassou-o em número de utilizadores e o público abandonou-o em massa.

O MySpace tornou-se da noite para o dia como uma peça de roupa embaraçosa à moda antiga. Em plena hemorragia de usuários e sobrecarregado de prejuízos, o site foi colocado à venda pelo preço final em 2011 por 35 milhões. Depois de inúmeras tentativas de relançar o myspace.com ainda está ativo, mas parece um achado arqueológico.

AMIGO

Ao contrário do MySpace, a rede social Friendster não existe mais hoje. Fechou as portas em 2015 após um início triunfal e um longo e inexorável declínio.

Nascida em 2002, dois anos antes do Facebook para o qual foi sem dúvida uma fonte de inspiração, foi a primeira comunidade web a permitir criar perfis pessoais que permitissem partilhar conteúdos com os seus contactos.

Em 2003, poucos meses após seu nascimento, o Google tentou a compra oferecendo 30 milhões de dólares, mas a oferta foi recusada. Os números sugeriam um negócio destinado a crescer exponencialmente.

E foi assim por algum tempo. Entre 2008 e 2009 conseguiu atrair mais de 100 milhões de assinantes, tornando-se um cais popular também na Ásia. Em seguida, alguns problemas técnicos surgiram, um restyling do site foi decidido e os usuários fugiram em massa, reabsorvidos principalmente pela plataforma de Zuckerberg.

SEGUNDA VIDA

Nos anos em que o universo da web descobriu o compartilhamento, o primeiro jogo social, o Second Life, também se consolidou. Não apenas um videogame, mas uma comunidade virtual real construída sobre identidades alternativas.

A ideia de alter egos da web construindo uma segunda vida era tão fascinante que a start-up se tornou uma das mais cobiçadas no mundo hi-tech, obtendo também financiamento de Jeff Bezos.

Em 2006 tinha milhões de usuários e falava-se em criar uma economia virtual que nascesse do universo alternativo da plataforma. Mas a diversão não durou muito. Os jogadores saíram tão rápido quanto chegaram. O Second Life tornou-se uma peça de arte moderna que sobrevive para vários usuários de nicho.

Extensão do ORKUT

O Google sempre quis se tornar protagonista também no mundo das redes sociais. Depois de tentar comprar o Friendster em 2004, ele lançou sua própria rede social chamada Orkut, em homenagem ao seu desenvolvedor Orkut Buyukkokten, um alemão de origem turca que desembarcou em Stanford e foi recrutado pela empresa Mountain View.

Buyukkokten foi o pioneiro do caminho que Mark Zuckerberg percorreu pouco tempo depois: começou a projetar uma rede social dentro de sua universidade, depois tornou-se engenheiro desenvolvedor, expandiu-a para torná-la aberta a todos. O Google abraçou totalmente o projeto.

A ideia pegou muitas das especificações do Friendster e também graças ao patrocínio do buscador, conseguiu atingir cerca de 300 usuários em pouco tempo. A rede se consolidou especialmente na Índia e no Brasil.

No entanto, a concorrência do Facebook tornou-se insustentável.

GOOGLE+

Na sede de Silicon Valley decidiu-se apostar tudo no Google+ e no YouTube e em 2014 foi decidido o inevitável encerramento.

Mesmo essa escolha não foi totalmente acertada: se o YouTube se tornou a principal plataforma global de compartilhamento de conteúdo em vídeo, o Google+ teve um momento inicial de afirmação e depois se tornou uma integração agora supérflua da conta de e-mail do Gmail. Em 2 de abril de 2019 foi fechado ao público.

NING

Em 2005, um dos pais da web como a conhecemos, Marc Andreessen, o inventor do navegador Netscape quando ninguém sabia o que eram navegadores, entrou no mundo das redes sociais com o Ning. Mas até o rei Midas da rede errou o alvo pela primeira vez. O Ning permitia que os usuários criassem redes sociais personalizadas, pequenas comunidades em torno de um tópico. Uma bela ideia que todos acreditavam que iria decolar e que rendeu centenas de milhões de dólares em financiamento de capital de risco. Ning foi avaliado em 2009 em mais de US$ 700 milhões. Mas o boom nunca aconteceu, a ideia ficou linda no papel e praticada por poucos.

PING

A Apple também está entre os membros desse clube das extintas redes sociais. O gênio visionário de Steve Jobs não era imune a erros. Em 2010, lançou o Ping, apresentando-o ao mundo como a rede social que criou “o encontro do iTunes com o Facebook e o Twitter”.

Era uma rede de ligações que partia da aplicação Apple iTunes e que permitia criar contactos, ouvir e partilhar música, reportar acontecimentos musicais. Em muitos aspectos, era semelhante em algumas especificações à estrutura atual do Spotify. Nunca pegou. Sem usuários e sem atrações particulares, o serviço desapareceu em 2012.

VIDEIRA

Também teve vida curta o fenómeno Vine, um serviço que dava a possibilidade de fazer pequenos vídeos pensados ​​para serem partilhados numa comunidade. Fundado em 2012, foi comprado quase imediatamente pelo Twitter, sendo lançado como aplicativo em janeiro de 2013.

Tornou-se instantaneamente o aplicativo de compartilhamento de vídeo mais usado e mais baixado em telefones celulares, atingindo 200 milhões de usuários. Mas a plataforma não conseguiu se adaptar às mudanças vertiginosas do setor. A incapacidade de gerar lucros para os principais Viner alienou muitas celebridades infantis e patrocinadores alienados.

A competição do Instagram foi o golpe final. Em 2016, o Twitter anunciou que o aplicativo estava sendo encerrado.

EONS, DELICIOSO, DIÁSPORA

Mas entre as mídias sociais com um futuro brilhante atrás delas também estão Eons, Delicious, Diaspora.

Eons, nasceu em 2006, um clube reservado exclusivamente para usuários com mais de 40 anos que conseguiu chegar a 800 usuários e depois desapareceu em 2012.

Delicioso, um serviço de bookmarking social projetado para compartilhar conteúdo da web, comprado pelo Yahoo em 2005 e logo afundou após uma série de inovações que deram errado.

Diaspora, a resposta “descentralizada” ao Facebook, rede social pensada para garantir a máxima autonomia e privacidade aos utilizadores nascidos em 2010, mas sem nunca atingir uma massa crítica significativa.

TUMBLR

O caso do Tumblr, por outro lado, representa um exemplo de como o conteúdo tóxico pode representar sucesso empresarial, mas corre o risco de levar ao fracasso.

A plataforma lançada em 2007 combinava Twitter, blogs e redes sociais. Ao longo dos anos, cresceu em popularidade e os usuários chegaram a 500 milhões de visitantes. Em 2013 foi adquirido pelo Yahoo! Inc. por US$ 1,1 bilhão.

A história atormentada do Yahoo!, ex-gigante da web, não ajudou e o Tumblr começou a perder brilho, apelo, dinheiro e patrocinadores. Mas a verdadeira história na cabeça foi a descoberta de que uma porcentagem considerável do tráfego e do uso (cerca de 30%) estava relacionada à pornografia.

Em dezembro de 2018, a plataforma já decadente decidiu banir esse conteúdo, talvez melhorando sua reputação, mas na verdade alienando a parte mais ativa de seu público.

O Tumblr continuou assim um declínio inevitável e foi vendido em agosto de 2019 pela Verizon (já compradora do Yahoo!) por um valor segundo fontes jornalísticas de menos de 3 milhões de dólares.

A NATUREZA DA MÍDIA SOCIAL

No caso do Tumblr, uma escolha nobre, ainda que tardia, foi punida porque, para além de proclamações e declarações, as redes sociais são startups que, nos casos mais afortunados, conseguiram transformar-se em verdadeiras corporações internacionais e responder antes de mais às mercado e investidores.

Na sua essência são e continuam a ser produtos, serviços e ferramentas. Gigantes com pés de barro capazes de influenciar a opinião pública global, mas vulneráveis ​​às modas e gostos de um público tão grande que já são indistinguíveis.

O indivíduo mantém o direito de escolher se e como usá-los para seu próprio gosto e benefício. A menos que você prefira participar sem escolher. Ao se tornar um produto e uma ferramenta.

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