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Doenças genéticas: quem tem o direito de saber?

Os resultados de um teste genético afetam muitas pessoas e não apenas aquele que o realizou. Como conciliar o direito de saber com o direito de não saber? Um processo judicial inglês e alemão revela como os papéis do médico e do paciente estão mudando

Doenças genéticas: quem tem o direito de saber?

O próprio conceito de paciente está em discussão

A natureza de algumas mutações genéticas. Nesta era saturada de informação, o que acontece quando o “direito de saber” colide com o “direito de não saber”? Isso é o que o The Economist estava perguntando nos últimos dias e, de fato, a acessibilidade dos testes genéticos tornou essa questão muito atual. A herança genética, onde podem estar escondidas mutações causadoras de doenças, é algo compartilhado dentro das famílias. O que significa uma coisa muito importante.

Os resultados de um teste genético inevitavelmente dizem respeito a muitas pessoas e não apenas à pessoa que o realizou. Na Alemanha e na Grã-Bretanha houve dois processos judiciais relativos justamente a essa delicada questão de compartilhar os resultados de um teste genético na família.

A questão subjacente a estes casos é fundamental porque diz respeito à própria identidade do doente e à relação médico-paciente, fundamental na prática médica.

Doença de Huntington. Ambos os casos envolvem a doença de Huntington (HD), uma doença neurodegenerativa hereditária. É uma única mutação genética que causa a doença. O que significa que todo filho de um pai afetado por essa mutação tem 50% de chance de herdá-la.

Os sintomas, que incluem perda de coordenação motora, alterações de humor e declínio cognitivo, tendem a se desenvolver entre as idades de 30 e 50 anos. A doença é fatal. O diagnóstico pode resultar de um simples exame de sangue e, embora existam tratamentos para os sintomas mais óbvios, não há cura conhecida.

O caso inglês. No caso inglês, que deve ser julgado pela High Court of London em novembro de 2019, uma mulher conhecida pelas iniciais ABC - para proteger a identidade de sua filha menor - moveu uma ação contra um hospital londrino que faz parte do NHS (NHS). A mulher acusou o hospital de não compartilhar com ela o diagnóstico de DH de seu pai.

Em 2009, a ABC estava grávida no momento do diagnóstico do genitor e por isso alega que, se informada daquele exame, teria interrompido a gravidez. Na verdade, ela só soube disso depois de dar à luz sua filha.

Em um teste subsequente, ela mesma testou positivo para a mutação que causa a doença de Huntington. O que significa que a filha também tem 50% de chance de desenvolvê-la.

Rumo ao processo. Inicialmente, o caso foi cancelado sob a alegação de que o processo em tribunal poderia comprometer a confidencialidade da relação médico-paciente. Mas em 2017, essa decisão foi revisada.

O tribunal de apelações concluiu que pode haver certas situações em que o médico tem a obrigação de informar os familiares de um paciente. Além disso, não ir a julgamento não seria do interesse público.

No Reino Unido, os médicos têm o dever legal de proteger a confidencialidade do paciente e só são liberados dessa obrigação com o consentimento do paciente.

No entanto, as organizações profissionais, como o General Medical Council, reconhecem que a renúncia à confidencialidade pode, às vezes, ser necessária, em circunstâncias em que não fazê-lo pode resultar na morte do paciente ou em lesões graves. A identificação dessas situações fica a critério dos médicos.

O caso alemão. O caso alemão é a imagem espelhada do caso inglês. Ao contrário do Reino Unido, na Alemanha o direito de não fornecer informações genéticas a parentes é protegido por lei. No entanto, em 2011, um médico informou a uma mulher em Koblenz que o seu marido divorciado, paciente de um médico, tinha testado positivo para a DH. Isso significava que seus dois filhos corriam o risco de contrair a doença.

A senhora processou o médico, que agiu com o consentimento de seu paciente. Ambas as crianças, como menores de idade, não poderiam legalmente ser testadas para a doença, que, como apontaram os advogados da mulher, é incurável. A mulher estava, portanto, na posição de não ser capaz de agir com base nas informações e, como resultado, sofria de uma depressão reativa que a impedia de trabalhar.

Um tribunal distrital inicialmente rejeitou o caso da mulher, mas essa decisão foi posteriormente revertida. O Tribunal Federal de Justiça alemão posteriormente emitiu uma decisão final, novamente encerrando o caso.

Uma área cinzenta da lei. Ambos os casos, portanto, trazem à tona uma área cinzenta do direito. Os resultados serão acompanhados com interesse pelos advogados de outras jurisdições. Se o 'direito de saber' for legalmente reconhecido no Reino Unido até o final do ano, essa decisão poderá eliminar algumas brechas na legislação, mas também poderá criar outras.

Por exemplo, até que ponto os médicos devem tentar rastrear e informar os familiares? A relação de confiança entre pacientes e médicos será quebrada se a confidencialidade não for mais garantida?

É dever da lei equilibrar bem esses direitos. Alguns acham que esta é uma tarefa quase impossível, mas tente mesmo assim.

Quando a lei fica atrás da tecnologia, alguém paga o preço por esse desalinhamento e esse alguém é o médico. Como demonstram esses dois casos, estamos numa espécie de vírgula 22: ambas as alternativas são danadas de difíceis.

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