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Saúde pública volta às mãos do Estado

A emergência do Coronavírus está a expor os defeitos da fragmentação regional do Serviço Nacional de Saúde (SSN) na gestão de um bem incontestável como a saúde e que exigiria uniformidade de serviços

Saúde pública volta às mãos do Estado

Foi o ano 1992, quando a proporção da dívida pública em relação ao PIB continuou a crescer além do limite de 100% conquistado há dois anos. Por sua vez, o valor das despesas de saúde planejadas era geralmente 20-25% menor do que o real.

Nesse contexto de finanças públicas, a política tentou remediar o crescimento daquela despesa considerada fora de controle, tanto com a transferência de cuidados de saúde para as Regiões, cedendo à bulimia de poder das classes políticas locais, e com a corporatização da USL que teria conduzido ao cumprimento do constrangimento orçamental. Foram duas medidas que discutiremos mais precisamente adiante, que precisam ser revistas à luz da experiência em curso de disseminação do coronavírus.

Na verdade, a pandemia de coronavírus que atingiu o planeta está mostrando o quão crucial é a preparação e a organização institucional econômico-financeira dos diversos serviços nacionais de saúde ao redor do mundo. Estes, como atesta a boa literatura, devem entregar um bem público para a comunidade de natureza "incontestável": no sentido de que o serviço de saúde prestado a um sujeito não deve excluir nenhum outro cidadão de usufruí-lo onde quer que esteja e qualquer que seja seu nível de bem-estar econômico. E isto o princípio fundador do serviço público de saúde em vigor na Itália. 

Mas como se segue da experiência atual a fragmentação do Serviço Nacional de Saúde (SSN) em muitos e variados serviços regionais de saúde parece violar o referido princípio, bem como a discricionariedade dos supostos gestores públicos na gestão das Autarquias Sanitárias magicamente transformadas em empresas. 

Na opinião do escritor, as duas disposições da lei acima mencionadas desempenharam um papel decisivo na violação do princípio fundador do NHS italiano, que alguns gostariam de abandonar com base na vulgata indemonstrável e genérica que, em qualquer caso, privado é melhor que público.

Como outros estudiosos já iniciaram (Sabino Cassese à frente) o debate sobre a oportunidade de trazer a função de proteção à saúde de volta ao topo do poder central, pelo cumprimento do princípio fundador do SNS acima referido. Na verdade, trata-se de iniciar a reflexão sobre a necessidade de reformar os Decretos Legislativos 502/92 e 517/93 onde ainda lemos que:

• As regiões têm plena responsabilidade financeira pelos recursos alocados: eventuais déficits devem ser compensados ​​por meio da mobilização de fundos regionais ou da imposição de impostos regionais

• O PDR representa o plano estratégico de intervenções para objetivos de saúde e funcionamento dos serviços para atender às necessidades da população, também com referência aos objetivos do NSP.

Como muitos se lembrarão, o debate político-econômico da época girava em torno da crença de que aproximar o poder de gestão da saúde pública (perto é bonito) dos cidadãos por meio da descentralização regional teria constituído um forte estímulo aos administradores encarregados de melhor administrar a saúde pública, sob pena de protesto dos "mais próximos". Como as evidências de hoje atestam o resultado é um arlequim SSN, muitas vezes explorada para a busca do consenso "mais próximo", busca de consenso local que inevitavelmente viola o princípio fundador acima mencionado. Daí a necessidade de trazer para o centro a gestão do SNS. Neste caso, dada a difusão do bem público prestado e dos interesses locais ainda menos nobres, pode-se dizer que “longe é belo”.

Mas isso não é suficiente.

De facto, foi sempre no início dos anos noventa que o debate político-económico começou a investir a crença, totalmente abstracta na ausência de modelos de referência adequados, de que confiar a gestão de funções públicas específicas a supostos gestores públicos sujeitos ao cumprimento da restrição orçamentária teria contribuído para dar eficiência e maior eficácia ao bem público a prestar, respeitadas as condicionantes financeiras. Foi assim as USLs magicamente se tornaram “empresas”. Na verdade, lê-se em

• A organização e funcionamento regem-se por um contrato social de direito privado (diretrizes regionais)

• Hospitais de importância nacional e altamente especializados se tornam independentes das Autoridades Locais de Saúde e se transformam em Corporações Hospitalares

• As unidades locais de saúde são financiadas pela região com base na quota per capita.

Em tal contexto institucional, associado à aclamada "autonomia empresarial", não deve surpreender hoje que todo suposto gestor público decidisse e interpretasse autonomamente e à sua maneira quais eram os melhores práticas a adotar na “empresa” em caso de pandemia: em todo o caso respeitando as condicionantes impostas pelos Governadores regionais e pelas suas bases políticas e partidárias locais. Segue-se, também neste caso, a violação do princípio fundador da uniformidade dos serviços de saúde e a não contestabilidade do bem público independentemente da localização geográfica dos sujeitos que solicitam proteção à saúde. 

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