comparatilhe

Guerra do trigo, Divella: "É decisivo liberar os portos ucranianos, mas crise e especulação vão além do conflito"

ENTREVISTA COM VINCENZO DIVELLA, CEO da antiga empresa de alimentos da Apúlia – “Com o bloqueio dos produtos ucranianos, o mercado do trigo mole entrou em colapso e os preços dispararam como para o trigo duro, onde dependemos sobretudo do Canadá e onde a especulação está à espreita ” – “Se os portos ucranianos não forem reabertos, existe o perigo de um efeito dominó nas economias”

Guerra do trigo, Divella: "É decisivo liberar os portos ucranianos, mas crise e especulação vão além do conflito"

Mais do que gás e petróleo poderiam trigo? Se Putin está com problemas militares e está entrincheirado no batalha de Donbass, tendo perdido a esperança de capturar toda a Ucrânia, está se saindo melhor para ele no que foi chamado de “Primeira Guerra do Milho".

O grão que a Ucrânia produziu este ano está parado em silos e celeiros nas fazendas porque o único porto livre do domínio russo no momento é Odessa. E por assim dizer, porque todas as águas ao redor da cidade estão minadas. Quem colocou as minas? Russos dizem ucranianos, ucranianos dizem russos. Esperando resolver o rebote de responsabilidade e uma possível desminagem, talvez em acordo mútuo com a UE, o mundo corre o risco de uma enorme crise alimentar porque, como sabemos, o trigo ucraniano, juntamente com o trigo russo, representa um terço do produto mundial e, se não puder chegar rapidamente aos mercados, ou seja, países africanos, alguns países asiáticos e o Oriente Médio, a fome é inevitável.

Não é uma hipótese: o Banco Africano de Desenvolvimento, por exemplo, estimou que, em todo o continente, principalmente devido à guerra Faltariam 30 milhões de toneladas de trigo, soja e milho. Essa escassez já resultou na África um aumento de 60% no preço do pão, sendo que a maioria da população não consegue arcar com tal custo. Só para se ter uma ideia da catástrofe que estaria sobre nós, segundo a FAO, somente neste verão, na Nigéria, 19 milhões de pessoas terão que enfrentar uma crise alimentar. As coisas não estão melhores no Oriente Médio, onde há 9 milhões de crianças que correm o risco de morrer de fome.

E na Itália? Falamos sobre isso com Vincent Divella, diretor administrativo da antiga empresa agroalimentar da Apúlia “F. Spa Divella”.

Doutor Divella, como sua empresa está passando por esse período?

«A empresa vive estes meses negros como todas as empresas de ombros largos, com relativa preocupação: no sentido de podermos contar com os stocks de trigo feitos nos últimos meses, que nos garantem pelo menos 3 meses de sobrevivência. Temos que explicar, no entanto, que somos indiretamente afetados pelo bloqueio ucraniano aos grãos. Porque o trigo macio vem da Ucrânia e da Rússia para produzir farinha para pão e biscoitos. E na Itália importamos apenas 3% dessa área. Como então estamos envolvidos? Com a falta de trigo ucraniano, que era exportado sobretudo para a China, Paquistão, Turquia, Egipto, estes países foram procurá-lo noutros locais, nomeadamente França, Austrália e Canadá. Ou seja, nossos vendedores. Assim, com uma grande quantidade de pedidos chegando a esses países, o mercado quebrou e os preços dispararam. Eu dou um exemplo. Em junho de 21, o trigo mole estava cotado na bolsa de Foggia a 19 euros o quintal, hoje é de 47 euros. E de qualquer forma, se ainda não tivermos problemas de estoque de matéria-prima, teremos em alguns meses. Por isso, esperamos que a colheita deste ano seja boa e abundante no norte do nosso país, onde se cultiva o trigo mole. (No ano passado a Itália produziu 2,8 milhões de toneladas). E sobretudo que os portos ucranianos sejam desobstruídos para que o grão daquele país possa chegar às zonas para onde foi destinado”.

E o trigo duro?

«Para o trigo duro, a guerra tem algo a ver com isso, mas indiretamente. Lembramos que na Itália vivemos o paradoxo de produzir a maior quantidade de massa do mundo, mas para isso precisamos importar o trigo duro que produz a sêmola com a qual é feita a massa. Compramos 20/30 milhões de quintais no estrangeiro todos os anos. Um pouco da Europa, alguns milhões de quintais, mas a maior parte da Austrália, dos Estados Unidos e, sobretudo, do Canadá. E então voltamos ao aumento de preço. Por quê isso aconteceu? Aconteceu que em 20 o Canadá havia produzido 70 milhões de quintais de trigo duro; em '21 apenas 26 milhões de quintais devido à seca e outros fenômenos climáticos. Como resultado, o mercado entrou em colapso: em junho do ano passado, o trigo duro estava cotado a 28 euros por quintal, hoje é de 57 euros por quintal. E o australiano 60 euros. Neste caso, não é só a guerra que influencia, mas falta o próprio produto. É por isso que estamos cruzando os dedos para o interior da Sicília (7 milhões de quintais no ano passado, ed) e Puglia (9 milhões e meio, o principal produtor italiano, ed), esperando que seja abundante. Isso nos permitirá resistir por alguns meses, mas depois dependeremos do Canadá. Se lá voltarem a fazer 70 milhões de quintais, tudo se encaixará: não haverá mais especulação, os aumentos cessarão e pode até ser que o preço baixe. Mas se isso não acontecer, se faltar o produto, não haverá limites para o aumento de preço. No entanto, deve-se acrescentar que o aumento dos preços foi causado não apenas pela safra ruim, mas também pelo custo exorbitante da energia e do gás. Um exemplo: em janeiro de 21 eu pagava 1 milhão por mês de luz e gás, este ano 1 milhão. Aumento de oito milhões e meio por ano, sem brincadeira. E nisso, sim, a guerra influenciou. Se o conflito continuar não há santos, continuarão as especulações sobre tudo. Não esqueçamos que as revoluções foram feitas pelo pão».

A reabertura dos portos ucranianos é, portanto, essencial. Mas Putin parece condicionar a reabertura ao levantamento das sanções ocidentais. Uma chantagem à qual evidentemente não se pode ceder...

«Evidentemente… Porém, penso que se não conseguirem reabrir os portos, e fazer passar o grão ucraniano para chegar aos seus destinos, como um efeito dominó, a guerra vai expandir exponencialmente os seus repercussões nas economias mundiais. Vejo a crise "vermelha" chegando, como dizemos. Esse é o careca. Já falta vidro, que vem da Ucrânia, caixas de papelão, que vem da China, e folhas de flandres diminuíram. Estamos interligados há algum tempo e não podemos mais viver um sem o outro".

Esta é realmente a “Primeira Guerra do Milho”? Você se lembra de outra crise semelhante?

«A outra crise de preços, a de 2008, foi apenas uma bolha. E de fato depois de três meses tudo voltou. Desta vez, a bolha é causada pela guerra e, se ela não acabar, os preços continuarão subindo. Repito, se os portos forem reabertos, a questão do trigo mole estará resolvida. Mas a solução do problema do trigo duro dependerá não só do fim da guerra, mas também da campanha de colheita do Canadá. Só no final de Agosto/Setembro saberemos o que nos espera».

Algo pode ser feito contra a especulação?

«Não se pode fazer nada, se faltar o produto tens de comprar o que está e ao preço que te pedem não há nada que possas fazer. E a consequência será sempre a mesma: as grandes empresas resistirão, as pequenas não».

Quanto arriscamos na Itália?

«Nem mais nem menos do que se arrisca noutros países. Com uma especificidade totalmente italiana: ainda hoje, especialmente de Roma para baixo, cada um de nós come 25 quilos de massa por ano. Se não houver produto, os preços vão subir, é inevitável. E o que vai acontecer no Sul, por exemplo? Se você tem que pagar 3 euros por pão em Milão, é uma coisa, se você tem que fazer em Bari, é outra. E se aumentar a massa insuportavelmente, pior ainda. Pode significar protestos, conflitos e tensões sociais difíceis de administrar”.

Que solução você pode imaginar para conter esse perigo?

«Apenas uma: será preciso subsidiar os moleiros ou os padeiros. Assim como tentamos fazer para conter os aumentos de energia. Este também é um preço que será pago pela guerra."

Comente