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Fratianni: “Ou a Europa encontra um impulso de última hora ou ninguém é salvo. Eurobonds imediatamente”

por Franco Locatelli – Michele Fratianni, economista que leciona em Ancona e Indiana e que fez parte da equipe de assessores de Reagan, relembra as origens do mal-estar da Europa: "Naquela época Feldstein disse a Otto Issing: sem o fiscal o euro não resiste choques” – Itália paga o risco político – Como vai acabar

Fratianni: “Ou a Europa encontra um impulso de última hora ou ninguém é salvo. Eurobonds imediatamente”

“Nunca vi uma mesa em pé sem uma perna: infelizmente a Europa tem o euro e tem o mercado comum, mas não tem união fiscal e por isso continua sendo uma construção frágil. Quando chegam os choques externos, oscila e não é de estranhar que a especulação tenha como alvo o euro e os países mais fracos da zona euro”. Michele Fratianni, economista de rara sutileza que nos anos 80 foi chamado pelo presidente Ronald Reagan para integrar a equipe de economistas da Casa Branca, tem o privilégio extraordinário de olhar para a turbulência dos mercados e o sofrimento cotidiano da Itália e o euro, de um observatório especial a meio caminho entre a Europa e a América. Fratianni vive e ensina economia por seis meses na Itália (na Marche Polytechnic University) e os outros seis meses nos Estados Unidos, em Bloomington, onde tem sua família e é professor emérito da Indiana University Kelley School of Business. “Nos últimos dias – diz ele – a discussão a que assisti na reunião de 2007 da American Economist Association em Atlanta entre Martin Feldstein e o então membro do conselho do BCE, Otto Issing, voltou à minha mente várias vezes . Lembro-me perfeitamente que, com muita delicadeza, este último que veio do Bundesbank elogiou o sucesso do euro e não escondeu a sua satisfação pessoal com os resultados então alcançados pela moeda única face ao dólar. Mas, com a mesma polidez, Feldstein o congelou, objetando-lhe que o sucesso do euro era efêmero e que poderia ser válido em tempos de normalidade, mas que um choque externo teria sido suficiente para lançá-lo em crise. E é exatamente isso que está acontecendo."

PRIMEIRA LINHA – Professor Fratianni, a Itália e a Europa há muito estão no olho da tempestade do mercado. Quanto tempo vai durar e como sairemos desse período de paixão?

FRATIANNI – Seria preciso uma bola de cristal para dizer isso e os economistas não têm. No entanto, pode-se certamente afirmar que a crise na Grécia é o sintoma de uma doença e deficiência mais profundas que atravessam toda a Europa desde o nascimento do euro e que não podem ser curadas e resolvidas com meias medidas.

PRIMEIRA LINHA – Isso quer dizer?

FRATIANNI – Infelizmente, a Europa caminha em velocidades diferentes e não tem estabilidade porque é como uma mesa sem perna: está destinada a tombar e, mais cedo ou mais tarde, a cair se nada for feito.

PRIMEIRA LINHA – Qual perna está faltando?

FRATIANNI – União Fiscal. Sem uma política económica comum, e sobretudo sem uma união fiscal capaz de corrigir os desequilíbrios dos países membros, toda a construção europeia é frágil e o euro não se sustenta: basta um choque externo para estragar tudo, pois corre o risco de acontecer se a Europa não encontrar rapidamente uma resposta comum à emergência. A teoria econômica o diz, como nos lembram os incomparáveis ​​ensaios de Robert Mandel e os fatos o dizem. Não há pior cego do que aquele que não quer ver. O que está acontecendo diante de nossos olhos não é nenhuma surpresa.

PRIMEIRA LINHA – Por quê?

FRATIANNI – Porque reflete o choque de visões anteriores ao nascimento do euro. Já nessa altura houve um grupo de economistas, liderado por Feldstein, que alertou para os riscos que a moeda única correria na ausência de condições adequadas de apoio. Mas as preocupações de Feldstein não eram isoladas e encontraram eco no confronto acalorado que dividiu Estados e bancos centrais.

PRIMEIRA LINHA – Vamos tentar resumir os termos da questão.

FRATIANNI – Mesmo antes do Tratado de Maastricht, havia basicamente dois lados na Europa, como Guido Carli também contava em seus escritos daqueles anos. Houve quem, como os alemães, acreditasse que o euro deveria ser a cereja do bolo e que antes de o pôr em jogo era necessário criar as condições básicas em termos de política económica e fiscal. No entanto, venceu a via oposta, apoiada sobretudo por França e Itália, que acharam necessário inverter a ordem de prioridades e apostar tudo no euro como catalisador de um processo mais alargado de integração europeia.

PRIMEIRA LINHA – Professor, hoje em dia é fácil criticar o euro, mas você pode imaginar o que teria acontecido na Europa sem o euro nas fases mais agudas da crise financeira global? E hoje a lira por quanto estaria desvalorizada. Mas essa é uma discussão que nos levaria longe. Por que a união fiscal é fundamental?

FRATIANNI – Porque serve para corrigir os desequilíbrios internos da Europa e para absorver os choques externos.

PRIMEIRA LINHA – É verdade que às vezes decisões impossíveis são tomadas à beira do abismo, mas é difícil pensar que o que não se faz há muito tempo pode ser feito em poucas horas ou dias.

FRATIANNI – É verdade, mas os mercados precisam de um sinal. Não estamos pedindo para decidir sobre a união fiscal sic et simplicter, mas pelo menos para dar passos nesse sentido, como seria se a Europa finalmente decidisse lançar Eurobonds para absorver a dívida dos países de maior risco e como o Ministro Tremonti.

PRIMEIRA LINHA – O que aconteceria se não fôssemos capazes de nos mover rapidamente nessa direção?

FRATIANNI – Que a Grécia arriscaria seriamente o calote e que todos os bancos e países da zona do euro correriam o risco de sofrer o contágio, colocando realmente o euro e toda a construção europeia em crise. Não sei se os cidadãos europeus percebem isso, mas hoje em dia estamos em um ponto de virada crucial na história da Europa.

PRIMEIRA LINHA – Como se vive este sofrimento do outro lado do Atlântico? Se a Europa chora, a América não ri.

FRATIANNI – Nos Estados Unidos sempre houve uma corrente de eurocéticos, mas é uma minoria. A linha oficial dos EUA, reafirmada pela Casa Branca e pelo Fed, é de apoio à Europa e à Itália. Além disso, um euro que, dentro de certos limites, volta a se valorizar em relação ao dólar também é vantajoso para os Estados Unidos, que podem assim apoiar mais facilmente suas exportações e a recuperação americana em geral.

PRIMEIRA LINHA – Na sua opinião, como vai acabar o cabo de guerra entre Obama e os republicanos sobre a dívida?

FRATIANNI – Não é a primeira vez que isso acontece. É evidente que se trava uma guerra de nervos com claras repercussões políticas e eleitorais. Nesses casos, o vencedor é aquele que freia um segundo antes de cair no abismo. Pelas últimas notícias parece entender-se que a travagem já começou.

PRIMEIRA LINHA – Entre a crise da Europa e a da América é difícil dizer quem realmente está pior, mas considerando a situação econômica e financeira em uma perspectiva global, o mundo hoje está mais próximo do momento da crise mais aguda vivida com a falência de Lehman setembro de 2008 ou a fase pré-crise?

FRATIANNI – Infelizmente estamos nos aproximando perigosamente do momento mais agudo da crise já vivida com a falência do Lehman. E lamento dizer que era facilmente previsível, como pode ser visto nas muitas advertências de muitos economistas, inclusive eu, como também emergiu do debate e dos textos do congresso de 2008 da Associação Italiana de Economistas. Se os Estados – como fizeram os EUA, Reino Unido, França e Alemanha com a louvável exceção da Itália – pensaram que poderiam sair da crise salvando os bancos, é claro que os mercados pensam que os Estados não vão conseguir e que a crise das finanças se deslocará para os Estados. Isso é o que está acontecendo. Estamos agora no fim da linha e há pouco tempo para evitar o pior.

PRIMEIRA LINHA – Paradoxalmente, porém, a especulação ataca a Itália, que esteve entre os países mais virtuosos na crise e que não desperdiçou recursos públicos para salvar bancos menos aventureiros e mais sólidos que outros.

FRATIANNI – A especulação ataca a Itália porque aponta para o grande golpe de colocar o euro em crise e porque, entre os grandes países, a Itália, com uma dívida igual a 120% do PIB, é o elo mais fraco da cadeia. No entanto, é muito instrutivo refletir sobre o momento do ataque especulativo à Itália.

PRIMEIRA LINHA – Em que sentido?

FRATIANNI – Você sabe quando o spread entre o BTP e o Bund começou a aumentar?

PRIMEIRA LINHA – Quando os mercados perceberam as divergências no Governo e as incertezas sobre a manobra econômica.

FRATIANNI – Isso mesmo. Desde que Tremonti foi atacado, a propagação dobrou. Mas isso nos faz pensar: com uma dívida pública tão alta, quantos Tremontis a Itália terá que sacrificar no altar do populismo e do consenso político? Não é fácil obter superávits primários ao longo de muitos anos e encontrar consenso sobre medidas de consolidação inevitavelmente impopulares. O problema da Itália está todo aqui: é político e não econômico. E é o risco político que a prejudica. Se a Itália tem que prestar contas e a Europa tem que prestar contas: ou se encontra a força de uma reação in extremis ou ninguém se salva, nem mesmo quem viaja hoje em primeira classe.

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