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Coleção Marino e Paola Golinelli no Bologna Opificio

Uma nova mostra de obras da coleção Marino e Paola Golinelli ocupa os espaços do Opificio Golinelli. Depois do foco na busca de pontos de contato entre a visão artística e científica do mundo contemporâneo, representada pela seleção de obras expostas em 2016, agora é hora de retomar outro aspecto que caracteriza o acervo, a abertura à arte de países emergentes e, em particular, à arte africana.

Coleção Marino e Paola Golinelli no Bologna Opificio

Africa Vibes: no Opificio Golinelli uma viagem pelas obras africanas da Coleção Marino e Paola Golinelli

Obras de Joël Andrianomearisoa (Antananarivo, Madagascar, 1977), Abdoulaye Konaté (Diré, Mali 1953), Gonçalo Mabunda (Maputo, Moçambique, 1975), Cameron Platter (Joanesburgo, África do Sul, 1978), Pascale Marthine Tayou, (Yaoundé, Camarões , 1967), Ouattara Watts, (Abidjan, Costa do Marfim, 1957), todos realizados na última década, num percurso coerente com a abordagem pluridisciplinar e didáctica da arte que a Fundação Golinelli propõe através das actividades da área de projectos Arte, Ciência e Conhecimento, sobretudo através das grandes exposições realizadas anualmente desde 2010.

As 11 obras presentes no Opificio Golinelli foram escolhidas entre as cerca de 600 obras do Acervo Golinelli. Diferentes entre si nas linguagens utilizadas e na expressão de poéticas individuais, conjugam-se no entanto pelo uso comum de técnicas fortemente marcadas pelo artesanato, pela recuperação e transformação de materiais encontrados, por se colocarem a meio caminho entre a cultura do origem e experiência ocidental. Características que serão exploradas nas atividades de ensino e laboratório propostas pelos tutores da Fundação Golinelli, trabalhando temas como o reaproveitamento, que não só são politicamente e antropologicamente corretos, mas que constituem hoje uma das mais sofisticadas e atuais formas de expressão pesquisa não só em arte, mas também em design, arquitetura e até cinema.

 

Pascale Martine Tayou
Rua da Moda, 2010
Cristal e vários materiais
cm 152 hx 90 x 90
Coleção Marino e Paola Golinelli, Bolonha

 

Jean Apollinaire Tayou nasceu em Yaoundé, Camarões, em 1967. Em meados dos anos noventa, mudou seu nome, declinando-o para feminino, tornando-se Pascale Marthine Tayou. A obra de Tayou está intimamente ligada à ideia de viagem e encontro com o outro. A do viajante para Pascale Tayou não é apenas uma condição de vida, mas uma condição psicológica, explorando temas contemporâneos como os da identidade, da apropriação cultural, da permeabilidade das fronteiras em relação às migrações humanas. Tayou fez de sua condição de imigrante a expressão de toda uma geração de homens e artistas: aqueles que se colocam "a meio caminho" entre sua cultura original e a experiência ocidental; africanos de espírito mas ao mesmo tempo novos cidadãos europeus; desorientado e pós-colonial. Nas coloridas esculturas de formas humanas de Fashion Street, Tayou combina vidro, esponjas, lã, plástico, couro, miçangas e conchas do mar e outros materiais reciclados em uma obra fortemente relacionada à sua bagagem cultural específica. Os "vestidos" usados ​​pelas figuras são inspirados em formas tribais africanas, combinados com objetos que vêm da sociedade de consumo europeia. As próprias figuras são construídas com vidro produzido a poucos quilômetros de Florença.

Os artistas…
 
Nascido em Abidjan (Costa do Marfim) em 1957, Ouattara Watts estudou em uma escola religiosa e recebeu uma iniciação precoce em rituais xamânicos, apesar de viver em uma cidade grande e, portanto, também estar exposto à cultura urbana. Uma condição entre modernidade e tradição que se refletirá em suas obras. Em 1977 mudou-se para Paris para estudar na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts. Na capital francesa, no final dos anos oitenta, conhece Jean Michel Basquiat, de quem se torna amigo, que o convencerá a mudar-se para Nova Iorque, onde ainda hoje reside. Autor de uma pintura vibrante de cores, materiais e signos hipnóticos, Watts explora a identidade multicultural e o sentido de espiritualidade na sociedade contemporânea. Ao longo do tempo desenvolveu um rico código expressivo, um alfabeto de formas, números, letras, símbolos científicos e religiosos, que utiliza, mesclando-o com o uso de objetos encontrados e reciclados, fotografia e outras mídias, para comunicar sua dinâmica e poética visão da sociedade e da história e sua abordagem pessoal da metafísica. As suas obras evocam a África ancestral mas também as influências de artistas como Picasso ou Cy Twombly, permanecendo como que suspensas entre dois mundos, criando uma ponte entre eles. “Minha visão não se baseia em pertencer a um país ou a um continente – diz o artista – mas vai além da geografia, além do que pode ser visto em um mapa. Ainda que alguns dos meus elementos pictóricos possam ser referidos a uma cultura específica, e assim serem melhor compreendidos, o meu trabalho diz respeito a algo muito mais amplo, diz respeito ao Cosmos”. Le Fleurs du Mal I cita a famosa coletânea de poemas de Baudelaire - que trata de temas metafísicos, teológicos e exóticos - e combina o uso de um precioso tecido oriental, imagens de figuras demoníacas, linhas de números que simbolizam as rotas dos escravos e formas biomórficas ou elementar, traçado segundo uma forma de improvisação que lembra o jazz.

O artista sul-africano Cameron Platter (Joanesburgo, 1978, vive na Cidade do Cabo e KwaZulu Natal) concebe o seu trabalho como uma forma de reportagem, que descreve o que vê à sua volta: «discotecas, fast food, histórias de crimes, o mundo da arte , TV, cinema, política, consumismo…». A realidade, com a sua inesgotável variedade e extraordinária complexidade, fornece-lhe um repertório de imagens que o artista depois dispersa por vários suportes: desenho, pintura, escultura, fotografia, tapeçaria, desenho mural, vídeo. O que há de ordinário e marginal em sua obra é carregado de significados incendiários, comunicados de forma extremamente direta, uma denúncia do consumismo, da degradação, da desigualdade, dos conflitos latentes que perpassam a sociedade sul-africana. A sua linguagem imediata e subversiva inspira-se no mundo da infância e da arte popular, mas também nos linóleos de um mestre da arte sul-africana como John Muafangejo e em cartazes de protesto. Risk é um grande desenho a pastel sobre papel, técnica amplamente utilizada pelo artista, com campos de cores planas e um uso muito gráfico do preto e branco que faz com que a obra pareça uma gravura. Pertence a uma série de obras de grande formato que Platter considera "Murais Nômades", segundo a definição de tapeçaria de Le Courbusier. «É o que fazes que te põe em risco!!!» (É o que você faz que o coloca em risco!!!) lemos no centro do trabalho. A escrita é acompanhada pela imagem de uma galinha que ocupa quase toda a superfície, destacando-se sobre um fundo decorado com motivo estilizado de centenas de ovos acabados de pôr. Os animais são frequentemente usados ​​nas obras de Platter como um espelho dos comportamentos humanos. Neste caso, a referência é ao aumento constante dos ritmos de produção, a jornadas de trabalho cada vez mais completas e longas, especialmente para trabalhadores menos qualificados, o que contrasta com as necessidades fisiológicas de pausas e descanso, aumentando o risco de doenças, lesões, estresse.
 

O título que Joël Andrianomearisoa (Antananarivo, Madagáscar, 1977) escolheu para esta obra não é por acaso: Untitled – Few of my favorite Things. De fato, a obra apresenta alguns dos elementos característicos de sua obra. Em primeiro lugar, o material utilizado: o tecido, que recorda a sua formação, iniciada aos doze anos na academia de moda da sua terra natal, Madagáscar. Em segundo lugar as formas: radicalmente geométricas. Em terceiro lugar, a cor: o preto, que oferece ao artista «possibilidades infinitas. Em cada peça, tenho que encontrar variações no espectro do preto, diferentes posições do preto. Não é apenas uma cor, mas também uma atitude… visa o universal». Após seus primeiros estudos em sua terra natal, Madagascar, Andrianomearisoa continuou sua formação em Paris, Ecole Speciale d'Architecture, onde foi aluno de Odile Decq, sentindo os efeitos de suas atmosferas "escuras" que caracterizam as obras do famoso arquiteto. Chegou então a uma concepção que chamou de «arqui-roupa»: uma prática que ocupa um território híbrido entre arte, moda, design, arquitetura. Essa grande tapeçaria retangular também participa das contribuições entre esses diferentes setores, composta por retalhos geométricos de tecidos que declinam uma escala infinita de preto, numa sobreposição de camadas que atinge uma densidade tridimensional e escultórica. Uma obra que surge de uma série de manipulações que levam na sua feitura ao resultado final, fruto da necessidade de se surpreender com os objetos que nascem das próprias mãos.

 

Gonçalo Mabunda
Depois, 2016
armas usadas na guerra civil recicladas
65 x 22,5 x 14 cm
Coleção Marino e Paola Golinelli, Bolonha
Homem Pirata, 2016
armas usadas na guerra civil recicladas
53 x 36 x 18 cm
Coleção Marino e Paola Golinelli, Bolonha

 

O Homem Amarelo, 2016
armas usadas na guerra civil recicladas
40x40x16cm
Coleção Marino e Paola Golinelli, Bolonha

 

Gonçalo Mabunda (Maputo, 1975) trabalha a memória colectiva do seu país, Moçambique, que viveu uma longa e terrível guerra civil iniciada ainda em criança, logo após a independência de Portugal ao fim de cinco séculos de colonização. Suas esculturas são feitas com armas apreendidas dos guerrilheiros no final do conflito, que durou de 1977 a 1992. Recicladas em formas antropomórficas que remetem às tradicionais máscaras africanas - diferentes em cada região do continente e fonte de inspiração para tanto A arte ocidental, de Picasso a Braque, passando pelo mais contemporâneo Thomas Houseago - as armas utilizadas por Mabunda têm um forte significado de denúncia política mas, ao mesmo tempo, propõem uma reflexão positiva sobre a capacidade da arte de transformar as coisas. Uma habilidade que pertence em particular à criatividade africana, mestre em reciclar o que já existe, muitas vezes resíduos ou materiais sem valor, dando vida a belas obras. Surpreendentes, irónicas e imaginativas, as máscaras são ladeadas, na obra de Mabunda, por obras de maiores dimensões que assumem a forma de tronos, aparentemente semelhantes às expressões da arte de corte africana muito procuradas por colecionadores internacionais. Também feitos com armas desativadas, apresentam uma referência aberta à simbologia tribal de poder, com o intuito de denunciar a responsabilidade dos políticos por uma situação de instabilidade que volta a gerar violência no país. Moçambique é a única nação do mundo a ter uma arma de fogo como símbolo na sua bandeira.

Abdoulaye Konaté (1953, Diré. Vive em Bamako) é um artista maliano entre os mais reconhecidos do continente africano. Sua pesquisa transita entre os conflitos do mundo moderno e a tradição artesanal de seu país de origem. Típicas de sua marca estilística são as "tapeçarias" de grande formato nas quais centenas de tiras de tecido tingido à mão, principalmente algodão (uma das culturas fundamentais do Mali), caem em cascata e se combinam em fascinantes efeitos cromáticos. Com estas obras, a artista remete para a tradição da África Ocidental de utilização dos tecidos como meio de comemoração e comunicação. Inicialmente orientada para a abstracção, a investigação de Konaté abriu-se cada vez mais para referências à realidade e ao social, ligando-se a acontecimentos geopolíticos actuais, a temas como a guerra, a luta pelo poder, a religião, a globalização, as mudanças ecológicas e a epidemia de SIDA. Nos últimos anos muitas das suas obras referem-se à guerra civil no Mali entre forças governamentais, separatistas tuaregues e rebeldes islâmicos, criticando todas as formas de violência motivadas em termos religiosos ou étnicos. No percurso de Konatè destaca-se a obra Koré Dugaw (Mali), uma instalação composta por uma grande tapeçaria com figuras envergando máscaras e objectos simbólicos típicos de uma das sociedades iniciáticas Bambara, a Koré, e um manequim com uma capa de franjas coloridas. Nas palavras do autor, “esta obra monumental é uma homenagem ao grupo de iniciados Korè Dugaw, muito importante para a cultura maliana por representar a parte mais aberta da sociedade. De fato, aos iniciados é concedida total liberdade de expressão: eles podem se expressar livremente e criticar todos os aspectos da sociedade, mesmo lançando críticas veementes contra expoentes da política, cultura, etc. A capa do fetiche também se torna uma armadura aqui e representa o papel de autoridade absoluta desses 'sacerdotes das ideias'.

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