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Austeridade, fácil demais culpar a Europa: em 2010-3 os impostos foram aumentados pelos governos

No triênio 2010-3, Itália e França aumentaram impostos mais do que a Europa pedia porque não conseguiram cortar gastos, de modo que cresceram menos que países como Portugal, Espanha e Irlanda, que receberam ajuda de a Europa mas cortaram gastos e impostos e hoje crescem muito mais - O paradoxo do Pacto Fiscal

Austeridade, fácil demais culpar a Europa: em 2010-3 os impostos foram aumentados pelos governos

O novo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Junker, apresentou recentemente o tão esperado plano de investimento de "300 mil milhões de euros". Numa primeira leitura - os detalhes devem chegar no final do ano - fica difícil não se decepcionar: o dinheiro efetivamente disponibilizado pela Europa é muito pouco (21 bilhões) e o efeito alavanca (de um para quinze) continua a ser demonstrado. No entanto, o plano Junker foi bem recebido pela maioria dos líderes europeus por ser considerado o símbolo do início de uma nova era, a do crescimento, e do fim de um longo período de austeridade. 

“Basta com a austeridade imposta pela Europa” tornou-se o slogan por excelência, transversal e eficaz: não há político europeu que não o utilize – em tons mais ou menos acalorados – para angariar consensos. Isso porque a maioria dos governos europeus teve que fazer um ajuste fiscal durante os anos de crise.

No entanto, nem todos fizeram a mesma coisa. E, de fato, hoje, os resultados não são homogêneos. Alguns países estão crescendo, outros não. Alguns têm dívida pública que diminui, enquanto outros aumentam. Vejamos a razão destas diferenças e, sobretudo, vejamos se a austeridade foi mesmo (e é) uma ferramenta imposta pela Europa ou, melhor dizendo, fruto de uma escolha dos governos nacionais.  

Para entender melhor as razões por trás de dinâmicas de crescimento tão diferentes, os países que adotaram medidas de austeridade podem ser divididos em dois grupos: os que reduziram os gastos e os que os aumentaram. O primeiro grupo, formado por Portugal, Espanha e Irlanda (deixemos de fora o caso grego para simplificar), ou seja, três estados que receberam ajuda da Europa, aumentaram impostos e reduziram gastos.

Da análise das variações médias dos rácios da despesa pública para o PIB e da receita para o PIB no período 2010-2013, verifica-se que em Portugal a redução média da despesa foi de 1,1%, em Espanha foi de 0,9% e em Irlanda em 14% (30% apenas em 2012). Nos três países (todos liderados por governos após eleições antecipadas), a contração do gasto em termos absolutos foi maior do que a do PIB nominal. Pelo lado da receita, no entanto, o aumento médio foi de 3,7%, 1,2% e 1,3%, respectivamente.  

Depois de quatro anos de crise, os resultados de muitos sacrifícios (os custos sociais da austeridade foram altos, basta pensar no número dramático de desempregados) começam a ser vistos, em alguns casos com mais clareza. No biénio 2014-2015, a economia portuguesa deverá crescer a uma taxa média de 1.1%, a espanhola 1,5% e a irlandesa mais de 4%. O segundo grupo é constituído pela França e pela Itália que, no triénio 2010-2013, aumentaram tanto as receitas como as despesas. Na França, as receitas em relação ao PIB aumentaram 2,2%, enquanto as despesas aumentaram 0,4%; na Itália, receitas de 1,5% e despesas de 0,5%. Em ambos os países, a despesa absoluta cresceu mais do que o produto bruto nominal. O que esses dados nos dizem é duplo.

Em primeiro lugar, não houve austeridade do lado das despesas em França e em Itália: as despesas aumentaram tanto em relação ao PIB como em termos absolutos. Em segundo lugar, a austeridade do lado da receita tem sido muito maior do que a Europa exige para colocar suas contas em um caminho sustentável: a dose extra de austeridade serviu para financiar gastos maiores decididos pela política nacional. No fundo, os governos do segundo grupo têm procurado através de novas questões atenuar o efeito do aumento da carga fiscal, numa altura em que a consolidação fiscal arriscava corroer o já escasso consenso eleitoral. Essas despesas mais altas, entre outras coisas, não levaram ao crescimento. O segundo grupo é, aliás, aquele em que se espera o pior desempenho: a França deverá crescer em média 0,5%, a Itália 0,1%, face a uma média de 1% na Zona Euro.

Em outras palavras, os países que colocaram suas finanças em ordem por meio de um aumento de impostos acompanhado de uma redução de gastos agora estão crescendo. Por outro lado, quem aumentou impostos mais do que o necessário para financiar novas despesas cresce bem menos. Em conclusão, se é verdade que a Europa, através da sua complicada teia de regras fiscais – que, entre outras coisas, foram subscritas por todos os países, incluindo aqueles que hoje gostariam de as abolir – pediu (e continua a pedir) contas públicas em ordem, certamente não se pode negar que boa parte da austeridade foi imposta pelos próprios Estados-membros porque se destinava a financiar novas despesas.

Foram decisões resultantes da fragilidade dos governos nacionais, que então – por conveniência política – foram apresentadas como resultado da “força excessiva da Europa”. Um caso emblemático é o do Pacto Fiscal. Com base no que foi estabelecido a nível europeu, os Estados podem optar por incluir ou não o orçamento equilibrado na Constituição (artigo 3.º, n.º 2). Até o momento, apenas 3 dos 25 - Itália, Espanha e Eslovênia (a Alemanha já havia feito isso em 2009) - decidiram alterar o texto constitucional. Mas então, se são os governos e parlamentos nacionais que impõem doses desnecessárias de austeridade aos seus cidadãos, como pode ser credível quem afirma que a austeridade é culpa apenas da Europa?

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