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Voucher da discórdia: a verdade contada pelos números

Perante o pronunciamento do Tribunal Constitucional sobre o referendo promovido pela CGIL sobre os vouchers, uma polémica muito dura paira, mas esta análise da Fundação Kuliscioff aos dados do INPS revela que o seu peso nos custos laborais não ultrapassa 0,232 e que os vouchers não substituir o trabalho por conta de outrem, mas levantam uma questão: ao abolir os vales, surge o trabalho não declarado ou submerge também o pouco que o vale trouxe à tona?

Voucher da discórdia: a verdade contada pelos números

A narrativa, diria Vendola, exige que o crime seja punido. Na tragédia grega, o bode expiatório era fundamental. E assim surge o indício do escândalo do magma revolucionário libertado pelo referendo, cuja remoção assinalaria o triunfo da vontade popular de retrocesso: o abominável voucher. Claro, também há a lei escolar, art. 18 (mas é um pouco abusado: mais novo e pronto para beber o voucher…). E vales é! 

Eu jogo no grotesco porque essa é a vulgata que lemos e ouvimos hoje em dia. No entanto, graças a um bom trabalho do INPS, existem dados precisos e inéditos que descrevem o fenômeno voucher em sua realidade concreta. Consultá-los? Custa esforço, e aqui o esforço da política tende a desembocar na comunicação, mais do que na documentação. Mas vamos vê-los um pouco.

Primeira pergunta: estamos falando de um fenômeno de que dimensões? As pessoas que resgataram pelo menos 2015 voucher em 1 não são poucas: 1.380.000, e é um número que vem crescendo continuamente desde 2008. Mas quanto o voucher afeta o custo total da mão de obra? Em 2015 para um valor igual a 0,232% do custo do trabalho dos empregados no setor privado. Dizer que é marginal é um eufemismo! Acresce que, dos destinatários de vales, 50% arrecadou a partir de 29 vales ou menos, portanto de €217,5 ou menos em termos de arrecadação. Apenas 2,2% receberam valores líquidos acima de € 2250, muito longe do teto de € 7000 que quase ninguém toca.

A média de vales efetivamente arrecadados pelos trabalhadores em 2015 foi de 63 per capita, e é uma média constante nos últimos anos: aumenta o número de vales beneficiários, mas não o número de vales que cada um recebe. Em essência, o voucher não está nem remotamente perto de substituir o salário de um empregado, exceto possivelmente no caso extremo de plantão.

Um dado muito interessante é o dos dias trabalhados e do número de vales arrecadados por dia trabalhado: para 30% do público, não são arrecadados mais de 2 vales/dia, para uma média de 35 dias trabalhados. Desse público, 72% não ultrapassam 29 vouchers/ano. No extremo oposto encontram-se 18% dos beneficiários que recolhem mais de 20 vales/dia, para uma média de 145 vales/ano: mas neste caso os dias são em média 4,5.

Ou seja, são serviços profissionais mais qualificados, mas absolutamente pontuais. Quanto à parte inferior da tabela, também pode ser que parte desses vouchers sejam cobertura para trabalhos realmente ilegais (como um voucher por dia para eventuais fiscalizações e o restante fora do envelope); mas a questão é: abolindo o voucher vamos trazer o preto ou também submergiremos o pouco que o voucher trouxe?

Relação entre beneficiários e clientes: 49% dos clientes no período 2008-2015 compraram menos de 50 vales/ano e tiveram 3,7 beneficiários, sendo que 81% dos beneficiários trabalhavam para apenas um cliente. Destes, 62% receberam menos de 65 vales/ano: certamente não é um número que denuncie a substituição do trabalho subordinado pelo vale. É uma cobertura para trabalho não declarado? Aplicam-se as considerações feitas acima. E, em todo caso, não é o voucher que cria o trabalho não declarado: no máximo, pode-se dizer que não trouxe o ressurgimento do
preto. E como ele poderia? De qualquer forma, o preto é mais barato do que qualquer outra forma de pagamento, certamente não é culpa do voucher! 

Quanto ao requisito da eventualidade dos trabalhos acessórios, há que se verificar que não é constante e repetitiva no tempo: os dados do INPS
dizem que no período 2011-2015 o tempo médio de entrada-saída do trabalho eventual foi de 1 ano e meio por trabalhador. A taxa de benefício recorrente para cada assalariado individual é em média de 49%, muito maior para aposentados e muito menor para
beneficiários de redes de segurança social. *Basicamente, você não vê uma "armadilha" de trabalho auxiliar na qual você fica preso; muito menos para os jovens*. No relatório do INPS existe ainda um quadro esclarecedor que ilustra a relação, região a região, entre os vales recolhidos em média por beneficiário e o trabalho irregular (fig.2 página 16): a maior proporção de vales/beneficiário encontra-se no norte- oeste, no nordeste e em Emilia, justamente onde o percentual de trabalho irregular é menor; exatamente o oposto nas regiões do sul.

Os dados sobre a condição profissional dos beneficiários são muito interessantes: 8% são aposentados, 55% são segurados ativos, 23% ociosos (ex-segurados, geralmente desempregados), 14% sem seguro (desempregados ou inativos). Dos segurados, 30% possuem contrato subordinado e voucher com o mesmo cliente no mesmo ano. Mas destes, em três quartos dos casos o contrato segue-se ao voucher, que desempenha uma função como estágio; 25% têm um contrato de subordinado e um voucher ao mesmo tempo, mas 80% são a tempo parcial e/ou contratos a termo certo; 20% tinham contrato subordinado com outro empregador; 10% mudaram para o voucher após deixarem o emprego em outro empregador; 15% tinham apenas vouchers. 5% destes têm subsídio de desemprego (dados abril setembro 2014 2015).

Basicamente, existe uma relação direta entre o trabalho auxiliar e as carreiras de trabalho descontínuas ou a tempo parcial. O número médio de vales recebidos é inversamente proporcional ao número de dias trabalhados no ano: é de facto máximo (78) para os indivíduos que
nunca trabalharam durante o ano (receberam apenas subsídios de apoio ao rendimento) e mínimo (51) para os indivíduos com dias trabalhados e remunerados que praticamente preencheram todo o ano. 

Refira-se que o grupo de beneficiários sem cargo na segurança social, maioritariamente jovens que ainda não ingressaram no mercado de trabalho, é constituído anualmente por um contingente superior a 70% de "novas entradas": por isso, também aqui, nenhum aprisionamento em trabalho auxiliar. 

Em última análise, parece infundada a hipótese de que o voucher tende a invadir áreas antes cobertas por vínculos de subordinação. Vice-versa tem certa importância como fonte de renda acessória para aposentados e empregados com vínculo empregatício parcial e
descontínuo. Tem então uma função, ainda que não muito relevante, de período probatório funcional para contratação. Certamente trouxe "empregos" que antes eram pagos informalmente; é possível que seja usado para fornecer um álibi legal para situações
de trabalho negro.

Este orçamento, no entanto, não parece indicar a necessidade de aboli-lo: quase tudo o que permite, como visto, pagar legalmente
afundaria no preto. Ridículo pensar que seria substituído por relações mais formais, como contratos a termo ou colaborações, o
talvez com números de IVA falsos. Possível, talvez apropriado, algum trabalho de manutenção. O governo Renzi fez o máximo com a obrigatoriedade da rastreabilidade, o que impede o uso de vales ex post para cobrir casos de trabalho não declarado. Ninguém então sentiria a redução do teto de € 7.000 como um drama, que ninguém alcança de qualquer maneira. Queremos abolir o trabalho acessório para a construção? Basta saber que o setor da construção representa 1,85% dos beneficiários e 2,4% dos vales arrecadados: muito marginal face ao fenómeno dos trabalhos acessórios. 

Se quiser controlar a construção, talvez seja melhor olhar para os falsos números de IVA e talvez reforçar a atividade fiscalizadora com algum apoio tecnológico, como a instalação de câmaras de vídeo nos estaleiros.

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