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Gás natural, investimentos e um Guantánamo no coração da Amazônia: o que está por trás da amizade Macron-Lula

Paris tenta construir um eixo atlântico alternativo ao dos EUA e prometeu ao Brasil 20 bilhões em investimentos e a ratificação do acordo UE-Mercosul. O Eliseu quer assumir a defesa da Amazônia, mas não faltam contradições.

Gás natural, investimentos e um Guantánamo no coração da Amazônia: o que está por trás da amizade Macron-Lula

Em teoria, o presidente francês Emmanuel Macron e a contraparte brasileira Lula têm muito pouco em comum: o primeiro pode ser filho do segundo e tem experiência como banqueiro, enquanto seu colega sul-americano é ex-sindicalista metalúrgico e figura de referência para grupos de esquerda radical em todo o mundo. Na verdade, porém, os dois frequentemente se encontram, tiram selfies, trocam elogios mútuos que beiram demonstrações de afeto e também estão unidos pela circunstância de serem dois líderes em declínio substancial, de fato, desacreditados por seu eleitorado e em queda de popularidade, além de estarem prestes a expirar seus mandatos. É por isso que ambos têm pressa em encerrar os muitos, muitos dossiês em aberto entre França e Brasil, dois países que, com as luzes apagadas, estão construindo uma aliança lucrativa no eixo euro-atlântico em tempos de crise internacional, de relações difíceis com Washington devido a tarifas e outras questões, e de pactos comerciais iminentes entre a UE e a América do Sul.

Divergências internacionais entre a Ucrânia e o Oriente Médio

Aliás, o que divide Lula e Macron são justamente as posições a serem ocupadas no tabuleiro internacional: o francês é um dos grandes aliados doUcrânia e, portanto, detratores do presidente russo Vladimir Putin, que, em vez disso, recebeu o presidente brasileiro em Moscou há algumas semanas com todas as honras do caso, selando uma parceria que ainda é muito sólida, apesar da pressão do Ocidente. De fato, Lula condena a invasão russa, mas com cautela, sem pedir abertamente a cabeça de seu amigo Putin (os dois países também são aliados nos BRICS e o Brasil sediará a cúpula no início de julho), atuando, em vez disso, como embaixador de uma proposta de paz. Ao contrário, o Eliseu se esforça para condenar duramente Israel pelo que está acontecendo na Faixa de Gaza, enquanto Lula insiste em uma posição mais clara e decisiva pró-palestiniano na comunidade internacional. O presidente brasileiro foi, no entanto, seduzido pela recepção de Macron há dez dias em Paris, quando, para a ocasião, o torre Eiffel foi iluminada com as cores da bandeira brasileira. O fato provocou a ironia da imprensa brasileira, que falava de "Bromance" (ou seja, irmandade romântica) e de um Lula que, junto com sua esposa Janja, que se tornara amiga íntima de Brigitte, teve seu "ego afagado".

Amazônia: plano de US$ 1 bilhão para protegê-la, mas o gás é tentador

O ambiente esteve em cima da mesa na reunião, em primeiro lugar, já que alguns dias depois os dois foram a Nice para a Conferência dos Oceanos da ONU, onde Macron disse que “A Gronelândia não está à venda” e mais uma vez instou o Brasil a fazer mais para proteger a Amazônia: "Lula está fazendo muito, mas o plano da Petrobras (cujo acionista majoritário é o governo brasileiro, ndr.) de extrair petróleo do delta do Amazonas não é bom para o clima". Em suma, o presidente francês está assumindo o combate à perfuração em Amazonas, mas ao mesmo tempo faz acordos que envolvem a Amazônia e a própria Petrobras. A gigante do petróleo é, de fato, acusada de jogar de volta ao mar boa parte do gás natural extraído, para produzir mais petróleo bruto, mas essa prática tem um impacto ambiental devastador e Paris interveio na questão, fazendo com que a Engie assinasse um acordo com a brasileira Origem Energia para o armazenamento subterrâneo de gás natural. Macron provou ser "generoso" ao lançar, junto com Lula, um programa conjunto para financiar a bioeconomia na Amazônia brasileira e na Guiana Francesa: os dois países destinaram 1 bilhão de euros, mas, ao mesmo tempo, a França tem intenções menos nobres na área.

Prisão de segurança máxima da Guiana e a corrida do ouro

Enquanto Macron tirava selfies com Lula no Trocadero, seu ministro da Justiça, Gerard Darmarin, estava na Guiana Francesa, que compartilha uma fronteira de 730 quilômetros com o Brasil, e anunciou uma prisão de segurança máxima para terroristas, ao estilo de Guantánamo, no meio da floresta amazônica, embora em solo francês. Também na Guiana, a mineração ilegal de ouro é desenfreada, contribuindo para o mesmo desmatamento que Paris e Brasília afirmam combater: explorando a mão de obra negra brasileira, a cada ano até 10 mil toneladas de ouro, em um país com apenas 85 mil metros quadrados de superfície. A amizade entre os dois líderes também interveio nisso: em janeiro, assinaram um acordo para rastrear o "DNA" do ouro que sai da Guiana. E diante de todo esse interesse e dessa amizade ostensiva, o que Lula pede em troca? Simples: que o tão esperado acordo UE-Mercosul seja ratificado o mais breve possível, ao qual a França – juntamente com a Itália – é a que oferece a maior resistência, diante dos protestos do mundo agrícola.

E o que Lula quer? Acordo UE-Mercosul e investimentos

O acordo, previsto para durar 25 anos, foi efetivamente assinado em 2024, em Cume Histórico de Montevidéu, no Uruguai, para onde a própria Ursula Von der Leyen esteve, mas ainda não está em vigor. Para o Brasil, um gigante exportador de matérias-primas agroalimentares e penalizado pelas tarifas de Trump, é um acordo de ouro que precisa ser fechado rapidamente. E não termina aqui: seu amigo Emmanuel fez empresas francesas prometerem investir na beleza de 100 bilhões de reais, pouco menos de 20 bilhões de euros, no Brasil nos próximos cinco anos. Hoje, 1.300 empresas transalpinas operam no país de língua portuguesa, o que garante 500 mil empregosPara efeito de comparação, a Itália, que tem laços históricos e culturais muito maiores com o Brasil do que a França, traz para o país sul-americano mil empresas, algumas delas profundamente enraizadas, como Enel, Tim, Leonardo, Fiat, Pirelli, Campari e Barilla. Mas hoje as relações com o país economicamente mais forte, do México para baixo, estão cada vez mais frias.

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